(Reportagem antiga (2007), mas interessante)
Aparelho de sábio de Alexandria do século 1 era 'programável' com corda.
Máquina andava e apresentava show; robótica pode ser ainda mais antiga.
Já era de esperar que o robô mais antigo do mundo não tivesse cérebro de silício ou fosse movido a eletricidade, mas nem a mente mais familiarizada com a Antigüidade seria capaz de imaginar que ele andasse e até apresentasse um teatrinho com a ajuda de... grãos de trigo.
Quem está desenterrando detalhes sobre o autômato do século 1 d.C. é o cientista da computação britânico Noel Sharkey, da Universidade de Sheffield. Sharkey vasculhou as obras teóricas de Heron de Alexandria, o legendário criador do autômato, e diz ter descoberto que ele é a primeira máquina guiada por um programa -- tal como os computadores modernos -- cujos registros chegaram até nós.
Sem disco rígido ou memória RAM, a programação tinha de ser incorporada ao robô por meio de cordas, que eram enroladas em determinada seqüência em torno dos eixos de suas rodas dianteiras. O trigo ajudava a controlar a força motriz: na parte de trás do autômato, a cordinha que estava enrolada em torno dos eixos ficava presa a um peso. Esse peso, por sua vez, ficava no alto de um tubo cheio de grãos de trigo. O tubo tinha um furo, do qual os grãos iam caindo devagarzinho: assim, o peso ia baixando cada vez mais, fazendo os eixos rodarem e o robô inteiro se mover (veja animação abaixo).
Teatro divino
Não é a primeira vez que Heron ganha fama de pioneiro tecnológico. Relatos sobre o inventor, que viveu entre os anos 10 e 70 da Era Cristã (contemporâneo, portanto, de Jesus e dos primeiros apóstolos, como Pedro e Paulo), dão conta de que ele criou até a primeira máquina de vender bebidas da história. (A pessoa colocava uma moeda nela e recebia um jato de água benta.) Segundo os relatos, o robozinho estudado por Sharkey, além de se mover por um palco, também apresentava automaticamente um pequeno espetáculo de fantoches, envolvendo o deus grego Dioniso, senhor do vinho e do teatro.
Outros mecanismos mirabolantes são conhecidos antes da revolução da informática no século 20. Leonardo da Vinci, por exemplo, projetou um leão mecânico que caminhava e apresentava flores, usando o bicho para homenagear o rei da França em 1515. O diferencial do robô de Leonardo é que ele era programável: em vez de desmontar o bicho inteiro para que ele funcionasse de maneira diferente, bastava modificar a posição de alguns elementos internos -- no caso, braços que faziam rodar certas engrenagens, sistema parecido com o de uma caixinha de música.
Em busca de robôs programáveis ainda mais antigos, Sharkey traduziu o tratado Perí automatopoietikés (Sobre a fabricação de autômatos), escrito por Heron. No trabalho, Heron cita alguns de seus predecessores, como Ctesíbio, que viveu dois séculos antes dele, e explica parte de sua técnica. Segundo Sharkey, os fabricantes de robôs tinham uma longa escola em Alexandria, cidade que, embora ficasse no Egito, foi fundada por Alexandre, o Grande e tinha cultura profundamente grega.
"Eles estavam ligados ao grande museu e biblioteca de Alexandria. A cidade estava cheia de pesquisadores, e havia financiamento do governo [primeiro a dinastia grega dos Ptolomeus, depois os romanos] para a atividade deles", contou Sharkey ao G1. "Não sabemos sobre a vida ou posição social deles, mas eles parecem ter tido grande prestígio e escreveram muitos livros. Ctesíbio era filho de um barbeiro e mostrou seu talento logo cedo, construindo uma espécie de espelho hi-tech para seu pai."
Ao que tudo indica, porém, Heron foi muito além de todos eles ao criar a sua programação de corda. Ele dividiu o eixo das rodas dianteiras do robozinho, de forma a permitir que cada uma delas se movesse de forma independente, facilitando a execução de movimentos complexos. Cada giro da corda em volta dos eixos equivalia exatamente a uma volta completa das rodas. Assim, por exemplo, dez voltas da corda em torno de uma metade do eixo e cinco em torno de outra levaria uma das rodas a dar dez voltas para a frente e a outra, cinco para trás.
De quebra, havia até um comando de "pausa": pedaços da corda podiam ser presos com cera à lateral do robô. Enquanto o pedaço enrolado era puxado e desenrolado, o autômato ficava sem se mexer. A flexibilidade era muito grande se comparada à simplicidade de design.
Robótica homérica
A pergunta que fica inevitavelmente no ar é: até que ponto do passado a tradição de fazedores de robôs pode recuar? Sharkey cita uma passagem do poeta épico grego Homero (que provavelmente viveu por volta do ano 800 a.C.), no qual são descritas trípodes (uma espécie de tripé) criadas pelo deus Hefesto, o ferreiro do Olimpo. Tais trípodes teriam rodas de ouro "que as permitiam ir sozinhas para as assembléias dos deuses, uma maravilha de se contemplar", diz Homero.
"É claro que essa referência é ficcional, mas o intrigante disso tudo é que robôs em forma de trípode têm um design excelente, usado ainda hoje. Homero não tinha fama de engenheiro; portanto, é possível que ele tenha tirado a idéia de algo que já existia. Ou foi pura sorte. De qualquer maneira, acho que vale a pena investigar, e é o que estou fazendo", conclui Sharkey.
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