Dentre todas as religiões orientais, o hinduísmo, que compreende grande variedade de elementos heterogêneos, é a de mais difícil apreensão pela mentalidade ocidental. Sua expressão ultrapassa os limites da religião e percorre toda a estrutura social, dos atos comuns da vida diária até a literatura e a arte.
Hinduísmo é um termo genérico usado para designar a religião dos hindus, uma das mais antigas do mundo. Baseado nos "princípios eternos" (vaidika dharma) da doutrina dos Vedas (sabedoria divina), é também chamado saratana dharma (religião eterna). O hinduísmo estabeleceu as bases para muitas outras correntes religiosas e filosóficas e passou por várias etapas, desde o hinduísmo védico, bramânico e filosófico, até certos movimentos sectários e reformadores, entre os quais se incluem o budismo e o jainismo, surgidos no século VI a.C. Em sua forma atual, o hinduísmo pode ser visto como terceira fase do bramanismo. Sem um corpo de doutrinas, cultos ou instituições comuns, o hinduísmo abrange uma infinidade de seitas e de variações, monoteístas ou politeístas. O hinduísmo é disseminado na Índia, no Paquistão, em Sri Lanka e Myanmar, e há adeptos dessa religião na África do Sul, Bali, Trinidad e ilhas Fidji.
Hinduísmo védico. Por volta do ano 2000 a.C., os árias estabeleceram-se no Irã e na Índia. Sua herança religiosa consistiu nas divindades dos antepassados. Além de deuses tribais, os indo-europeus veneravam deuses cósmicos: Dyeus ou Dyaus-Pitar (em sânscrito, "deus do céu", correspondente ao grego Zeus-Pater e ao Dies Piter ou Júpiter romano), consorte da "mãe-terra", é o deus supremo, doador da chuva e da fertilidade e pai (mas não criador) dos outros deuses e dos homens. O Sol (svarya), a Lua (mas) e a aurora (em grego, heos) são os deuses da luz. Divindades menores e locais são as árvores, as pedras, os rios e o fogo.
A fim de obter a bênção dos deuses, o homem devia satisfazer, no pensamento e na ação, as exigências dos deuses. O ritual foi transformado em princípio moral, sobretudo mais tarde, no zoroastrismo e no budismo. A base da "religião védica", no entanto, já existia entre os árias, antes mesmo de invadirem a Índia. Constituída de princípios otimistas e de amor pela vida, não incluía a idéia de existência após a morte. Os cantos sagrados revelavam uma organização social estável, abundância de alimentos, famílias grandes e sucesso nas guerras. Os cultos, antes uma atividade familiar, tornaram-se com o tempo cada vez mais complexos, com elaborado ritual, confiado a sacerdotes. Desenvolveu-se ainda a idéia de um poder criador: Prajapati (em sânscrito, "Senhor das criaturas"), descrito nos Vedas, depois transformado em Brahma.
Hinduísmo bramânico. A segunda fase do hinduísmo veio com a decadência da antiga religião védica. Brahma (em sânscrito, "absoluto"), um dos deuses da tríade hindu (trimurti), integrada também por Vishnu e Shiva, tornou-se o deus principal. Brahma é a manifestação antropomórfica do brahman, a "alma universal", o ser absoluto e incriado, mais um conceito da totalidade que envolve todas as coisas do que um deus. O cerimonialismo enriqueceu-se notavelmente sob a direção dos brâmanes (sacerdotes). Os cultos adquiriram poder mágico. As idéias de samsara (transmigração das almas a reencarnações sucessivas) e karma (lei segundo a qual todo ato, bom ou mau, produz conseqüências na vida atual ou nas encarnações posteriores) surgiram nessa época, assim como as especulações filosóficas sobre a origem e o destino do homem. O sistema de castas converteu-se na principal instituição da sociedade indiana, sendo a casta dos brâmanes a mais elevada.
A visão bramânica do mundo e sua aplicação à vida estão descritas no livro do Manusmristi (Código de Manu), elaborado entre os anos 200 a.C. e 200 da era cristã, embora também contenha material muito mais antigo. Manu é o pai original da espécie humana. O livro trata inicialmente da criação do mundo e da ordem dos brâmanes; depois, do governo e de seus deveres, das leis, das castas, dos atos de expiação e, finalmente, da reencarnação e da redenção. Segundo as leis de Manu, os brâmanes são senhores de tudo que existe no mundo.
Reformas e seitas. As várias tendências surgidas depois do longo período de elaboração filosófica e de decadência do hinduísmo bramânico produziram, no século VI a.C., o jainismo e o budismo como religiões distintas, embora alguns especialistas as considerem como grandes seitas heréticas do hinduísmo. Vardhaman Mahavira, o Jaina, e Siddharta Gautama, o Buda, seus fundadores, rejeitavam os dogmas védicos-bramânicos e anunciavam a auto-suficiência do homem para uma vida plena. O homem não precisa de um deus para realizar seu destino. A preocupação social do budismo, que condenava o sistema de castas e o monopólio religioso dos brâmanes, transferiu-se mais tarde para o hinduísmo. O renascimento do hinduísmo e a invasão islâmica produzida entre 1175 e 1340, que acabou por impor-se a quase toda a Índia, limitaram a expansão do budismo ao seu país de origem.
Doutrina. As muitas diferenças e divisões doutrinárias produziram enorme diversidade de cultos e de sistemas no hinduísmo. O paraíso hindu abriga 330 milhões de deuses, expressões de um brahman único que encerra em si mesmo o universo todo. Acima de todas as expressões, está a superioridade de Deus, identificado com o antigo mito do primeiro homem, Parusa. O despedaçamento de seu corpo, que produziu o nascimento do universo, é a base da doutrina hinduísta de um Deus simultaneamente criador e destruidor da realidade.
O deus universal está acima do panteão de deuses locais, que nem mesmo têm o título de Senhor (isvara). Posteriormente, Brahma foi superado por Shiva e Vishnu, em torno dos quais os demais deuses foram agrupados. A coexistência de tantas formas e manifestações religiosas criou os mais extraordinários símbolos: deuses com mil olhos, como Indra, e Kali, que se popularizou principalmente por um de seus filhos, Ganesha, com vários braços e cabeça de elefante.
O destino do homem, entretanto, não depende de nenhum desses deuses, mas de seu próprio esforço. O homem pode condenar-se ou salvar-se dos sofrimentos, causados pela samsara, a roda da vida que gira sem cessar, produzindo nascimentos e renascimentos sucessivos. A alma de todas as criaturas (e não somente dos homens) está sujeita a um novo nascimento (punajarman). É a reencarnação sucessiva, sacralização da vida trágica de longos períodos de fome, guerras, doenças e cataclismos. A realidade social é predestinada e em geral desgraçada, mas o karma, a repetição da vida por meio de vários nascimentos, é a esperança de atingir uma casta mais elevada. A salvação consiste na liberação desse ciclo e na fusão final com Deus.
Na cosmologia hindu, Brahma está além de toda ação ou inação e acima do bem e do mal. A energia latente que existe dentro de Brahma, quando liberada na criação do universo, toma a forma de maya (ilusão), que assim é captada por nossos sentidos. Qualquer universo, como projeção de Brahma, tem a existência limitada a 4,32 bilhões de anos solares. No final desse ciclo, as chamas ou as águas destroem esse universo e maya retorna a Brahma, repetindo-se o processo indefinidamente.
Hinduísmo e casta. Os hindus atribuem caráter religioso a todas as atividades, o que faz do hinduísmo uma ordem social-religiosa que influi diretamente na vida toda, desde a moral até a economia e a gramática. De certa maneira, isso supera o pessimismo da desilusão e confere a cada momento da vida uma dimensão religiosa. São imperiosas as obrigações impostas pelo sistema de castas. Atuar de acordo com a casta a que pertence é, para o hindu, conseqüência da doutrina enraizada na ordem do universo. A ordem social divide as pessoas em castas, assim como a vida se manifesta em formas inferiores e superiores. O sistema de castas surgiu na Índia com os árias e começou a desenvolver-se por volta de 850 a.C. Sua origem parece proveniente da divisão entre o imigrante ária, de pele clara, e os nativos (dasya), denominados escravos (dasas), que se distinguiam pela pele escura. Com o tempo, o sistema de classificação evoluiu para o plano político-social-religioso.
Em sua estrutura mais antiga, o sistema era constituído de quatro castas: os brâmanes (sacerdotes), os xatrias (guerreiros), os vaixás (burgueses) e os sudras (artesãos). Cada casta tem suas próprias normas e está rigorosamente separada das outras. Não é permitido o casamento misto, nem a refeição em comum, nem a participação conjunta em atividades profissionais. A quebra de qualquer dessas obrigações implica a exclusão da casta, pelo que o indivíduo fica privado de todo direito social e se torna um pária, sem casta. Mais tarde esse número aumentou e chegou a mais de três mil castas e subcastas, divisão que ainda influi poderosamente na sociedade indiana, apesar da extinção legal das castas em 1947. Nessa época, o sistema dividia a população hinduísta indiana em cerca de 17 milhões de brâmanes, vinte milhões de membros das outras três castas e mais de sessenta milhões de outras categorias, entre as quais a dos intocáveis (harijans, povo de Deus).
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