" História, o melhor alimento para quem tem fome de conhecimento" PPDias
quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
terça-feira, 20 de janeiro de 2015
Questão de tempo
Todos sabem que na vida tudo passa: amanhã, o dia de hoje será um tempo passado. Mas, para a ciência, passado, presente e futuro são um grande mistério
por Paul Davies
 Toda a nossa experiência de vida 
baseia-se na suposição elementar de que o tempo pode ser dividido em 
passado, presente e futuro. E que o ritmo incessante do tempo empurra 
para a frente o momento atual, aquilo que chamamos "agora". O tempo 
passa sem parar e converte o futuro em passado. O momento presente, 
situado no meio de ambos, é apenas um instante infinitamente curto. Nos 
anos 50, porém, Albert Einstein afirmou: "Para nós, físicos presunçosos 
passado, presente e futuro são apenas ilusões". Que será que Einstein 
queria dizer com isso? A resposta pode ser buscada na Física, na 
Filosofia e na Psicologia. No nível psicológico, nossa experiência 
consciente do tempo parece estar claramente delimitada. Considera-mos 
que os acontecimentos do mundo estão "ocorrendo" e não apenas que 
"existem". Além disso, eles ocorrem de forma ordenada. Um momento se 
segue sistematicamente a outro. É inconcebível a ideia de adormecer na 
terça e acordar na segunda. Ao meditarmos sobre o tempo temos três zonas
 nas claramente diferenciadas: passado presente e futuro. Segundo a 
crença geral o passado é composto de eventos que já aconteceram - 
portanto, já não existem. O que resta deles são as imagens que guardamos
 em nossa memória. Nada pode modificar o passado.Da mesma forma que o passado, o futuro consta de acontecimentos que não existem - e ninguém tem condi-ções de saber nada sobre eles. A fronteira entre, o passado e o futuro é presente. E uma fronteira móvel. A medida que o tempo vai avançando, o futuro se converte em presente e, em seguida, quase imediatamente, em passado. Os acontecimentos atuais se distinguem dos futuros em um ponto: eles são reais. A realidade do mundo exterior é a realidade do momento atual. Quando falamos do passado ou do futuro, sabemos que não está ao nosso alcance interferir nessas regiões. Por outro lado, o presente é o momento no qual podemos ter uma troca recíproca com o mundo. Essa interação momentânea se dá em duas direções: 1) do mundo exterior nos chegam impressões captadas pelos sentidos; 2) em face do mundo exterior podemos agir, de acordo com decisões conscientes. Tais ações parecem ocorrer agora, ou seja, no presente.
Tudo isso é tão simples, quase banal. E, no entanto, chega a causar confusão em determinadas ocasiões. Por exemplo: o que queremos dizer quando afirmamos que estamos vivendo conscientemente o presente? Com freqüência não vivemos o presente, porque estamos ocupados com outra coisa. A forma como percebemos o tempo depende decisivamente do que passa por nossa cabeça a cada momento. Se estamos envolvidos com algo muito interessante, o tempo passa voando: muitos momentos do presente nem sequer são percebidos. Por outro lado, quem espera por algo e está plenamente concentrado nessa espera sentirá os segundos passarem com extrema lentidão. Não há a menor dúvida de que uma hora na sala de espera do dentista passa muito mais devagar do que uma hora no cmema.
Mas quanto dura o presente? Ele não marca de modo algum uma linha divisória rígida entre o passado e o futuro. Essa linha é mais tênue e o que a move é nossa consciência, que reage lentamente. Muitos eventos acontecem tão depressa que nos parecem repentinos. Por exemplo, um filme de cinema composto de uma seqüência de imagens imóveis. Só porque projetadas sucessivamente com grande rapidez nos dão a impressão de movimento contínuo. Já os processos que ocorrem no mundo da Física subatômica estão totalmente fora da nossa capacidade de percepção, de velozes que são.
Quem quiser separar o tempo em passado, presente e futuro encontrará outras dificuldades no plano da Física moderna, em que nada se parece com o conceito de agora. Isaac Newton, no século XVII, escreveu sobre o tempo "absoluto verdadeiro e matemático que transcorre uniformemente." Ele tentou descartar o fator subjetivo, introduzindo a idéia de medição matemática precisa do tempo, com relógios. Nas fórmulas de movimento de Newton, o tempo certamente existe, embora apareça como uma magnitude, não como uma quantidade variável. Não há nada que caracterize um presente que se encontra em movimento. Das fórmulas de Newton se deduz uma conseqüência lógica. Se supusermos a existência de um sistema físico fechado - isto é, ilhado -, e contemplarmos seu estado em um momento qualquer, também ficará fixada para sempre a totalidade dos estados futuros.
Em outras palavras: o estado de um sistema em um momento qualquer determina, de uma vez por todas, toda a sua história. A imagem newtoniana do mundo reduz o tempo a uma questão contábil. O tempo está aí, para pôr etiquetas nos acontecimentos. No universo newtoniano não pode ocorrer nada verdadeiramente novo, pois as informações necessárias para construir o futuro já existem no presente. O livro cósmico está totalmente escrito desde há muito e aquilo que denominamos tempo nada mais é que um meio de numerar suas páginas.
Naturalmente, a Física não parou em Newton. Com a Teoria Especial da Relatividade, de Albert Einstein, publicada em 1905, o conhecimento dos físicos sobre o tempo deu um salto gigantesco. Einstein relacionou o tempo muito estreitamente ao espaço e converteu ambos em fenõmenos físicos. Em conseqüência, muitas opiniões intuitivas sobre o tempo foram abandonadas.
Antes de Einstein, qualquer um poderia afirmar que dois acontecimentos haviam ocorrido em lugares diferentes. Isto é o que precia se deduzir do conceito de presente. Se alguém dissesse "eu gostaria de saber o que está ocorrendo agora em Marte", ninguém diria que isso não tinha sentido. Agora era um conceito vigente em toda parte. Parecia que todo o Universo tinha o mesmo presente.
A Teoria da Relatividade destruiu a base dessas convicções. Einstein ensinou que dois acontecimentos podem ocorrer simultaneamente para um observador, enquanto outro observador que se mova em relação ao primeiro perceberá os dois acontecimentos um depois do outro. Um terceiro observador poderá até ver os dois acontecimentos numa ordem sucessiva e inversa à do segundo observador. Naturalmente que na vida diária não existe nada parecido – porque neste âmbito as distâncias e as velocidades são demasiado pequenas para que se possa notar a relatividade. Mas ela existe e suas conseqüências são de grande alcance.
De tudo isso pode se tirar uma única conclusão: não existe nenhum momento atual que seja válido universalmente. Não existe nenhum agora que seja igual de um extremo do Universo a outro. O conceito de presente é uma questão puramente pessoal e só tem significado como ponto de referencia para o observador, dependendo de seu estado de movimento. Acontecimentos em lugares muito distantes entre si podem estar no futuro para determinado observador e no passado para outro. Se assim é, torna-se insensato dividir ordenadamente o tempo em passado, presente e futuro. A Teoria da Relatividade parece nos levar a uma imagem do Universo na qual o tempo, da mesma forma que o espaço, se encontra diante de nós em toda a sua dimensão.
Nessa imagem, passado, presente e futuro são apenas etiquetas psicológicas sem significado algum do ângulo das ciências naturais. Os acontecimentos simplesmente estão aí. Se o tempo é deslocado do espaço desse modo, perde naturalmente qualquer propriedade de fluência. E mais: em lugar da experiência psicológica de um mundo dinâmico, que continua se desenvolvendo constantemente, tem-se uma imagem de quietude na qual "o mundo não transcorre, mas simplesmente existe", como disse o matemático Hermann Weyl. O movimento do presente em direção ao futuro não aparece em nenhuma das fórmulas da Física. Assim, Einstein pôde insistir que passado, presente e futuro são apenas ilusões.
Apesar disso tudo, não há como duvidar de que os acontecimentos se posicionam numa ordem sucessiva e que essa ordem tem uma direção. Do contrário não poderia existir a causalidade, que é a determinação de um acontecimento por outro. A causalidade só é possível se existir uma relação antes/depois.
Um exemplo simples: quando se dispara um tiro contra um vaso de cerâmica e este se rompe em mil pedaços, não pode haver dúvida: o vaso ficou em pedaços depois de ter sido atingido pelo disparo. Visto a partir da causa, o efeito se encontra no futuro. Isso se comprova imediatamente ao projetar-se de trás para a frente um filme que se tivesse feito esse epsódio: teríamos a impressão de que o vaso voltou à sua forma original. Ora, isso nada tem a ver com a realidade.
O tempo, portanto, tem uma direção e esse fato impregna todo o Universo. Há mais de um século os cientistas discutem de forma acaladora a que isto se deve. Os físicos descrevem freqüentemente a direção do tempo com a figura de uma seta que aponta para o futuro a partir do passado. Infelizmente, essa comparação produziu muita confusão. É legítimo falar de uma orientação do Universo no tempo, que assinala desde o passado até o futuro. O difícil é denominar com ela a direção do fluxo do tempo. Essa diferença fica clara ao se pensar na agulha de uma bússola. Ela assinala o norte apenas porque os homens assim o convencionaram. Seu significado é o de que o campo magnético da Terra está orientado, que existe uma assimetria, que a direção sul-norte não é o mesmo que norte-sul.
Quando dizemos que uma seta de tempo mostra a direção do passado até o futuro, só estamos querendo indicar que no Universo existe uma assimetria ou direcionalidade e que a direção rumo ao passado é distinta da direção rumo ao futuro. Essa assimetria não pressupõe que o tempo efetivamente voe como uma seta ou flua em direção ao futuro. Mas será que o presente existe de verdade como algo realmente objetivo, ou é apenas uma invenção psicológica? Há muito tempo os filósofos brigam por causa dessa questão.
De um lado, estão os que defendem um presente real; são os chamados teóricos A, cujo expoente foi o alemão Hans Reichenbach (1891-1953). Seus oponentes são os teóricos B, entre os quais se destacam Afred Ayer e Adolf Grünbaum. O grupo A utiliza os conceitos de passado, presente e futuro e a rica variedade de tempos das línguas modernas - como o pretérito imperfeito, perfeito e mais-que-perfeito.
O segundo modo de tratar a sucessão do tempo defendida pelo grupo B, baseia-se em um sistema de datas. Os acontecimentos são marcados segundo a data em que ocorreram. Desse modo se consegue ordená-Ios de forma clara. Ou seja, dado que o momento atual esta sempre avançando no tempo, os acontecimentos do futuro chegam ao presente e passam deste até o passado. Um único acontecimento, contudo, não pode estar simultaneamente no passado, no presente e no futuro.
Diante de toda essa argumentação, alguém poderá alegar: digam o que disserem os físicos, hoje minha xícara de café quebrou em mil pedaços ao cair da mesa; isso ocorreu às 4 da tarde e representa uma mudança para pior em relação à situação anterior a essa hora. Ora, dirá o teórico do grupo B, a mudança é apenas uma ilusão. Tudo o que você disse é que a xícara estava inteira antes das 4 da tarde, que depois das 4 estava quebrada e que às 4 houve um momento de transição. Essa forma neutra de descrição contém exatamente a mesma informação, porém não afirma que o tempo tenha passado. E absolutamente desnecessário dizer que o estado da xícara variou desde inteiro até quebrado. Tudo o que há são dados sobre o tempo e o estado da xícara, simplesmente.
Que diz disso o teórico A? Ele afirma, por exemplo, que só se pode compreender o movimento dos ponteiros do relógio se existir algo como o tempo, a não ser que o movimento dos ponteiros esteja relacionado com outra coisa, como o movimento da Terra. Daí, então, teremos de perguntar: o que ocorre com a rotação da Terra? Com o que se relaciona? E assim por diante, numa série de perguntas aparentemente sem fim. Mas o que haveria no final dessa cadeia?
O último relógio seria o próprio Universo. Ao dilatar-se cada vez mais no espaço, o Universo fixa um tempo cósmico. Há alguns anos, os físicos começaram a estudar o movimento do Universo com a ajuda da Mecânica Quântica - chegaram a uma descoberta interessante: o tempo cósmico está totalmente fora das fórmulas. Resultado: qualquer variação só pode ser medida por meio de correlações (relações de mudança). No final desse raciocínio vamos relacionar tudo com a magnitude do Universo. Assím, desaparece qualquer idéia de um presente em movimen-to. E o que sempre afirmaram teóricos B.
De toda forma, continua existindo o fato de que sentimos que o tempo passa. Einstein, como vimos, denominou esse sentimento de ilusão. Há exemplos claros de ilusões do movimento. Quando giramos depressa ao redor de nós mesmos e paramos de repente, temos a impres-são de que tudo à nossa volta continua girando. Na realidade tudo estáparado. Será que a sensação de que o tempo passa é uma ilusão semelhante a essa? De seu lado, os físicos mais destacados da atualidade procuram esclarecer se é falsa a proposição de Newton segundo a qual o futuro está contido no presente. O motivo estaria relacionado com o descobrimento do caos determinista.
Com esta expressão os cientistas se referem aos sistemas físicos dinâmicos, cuja evolução pão se pode visualizar antecipadamente. A Meteorologia, por exemplo, tem muito a ver com esses sistemas - o que talvez seja uma boa explicação para o grande número de equívocos nessa área. Um segundo campo de investigação é a própria Teória Quântica e o papel nela desempenhado pelo observador. Segundo ela, a natureza, ao nível atômico, é necessariamente indeterminada. Não é possível predizer qualquer fato partindo de fatores conhecidos. Se um observador dos átomos efetuar neles uma medição, com esse próprio ato modificará o que desejava medir. Na Física Quântica, o possível se converte em real por meio da mera observação. Isso pode ter algo a ver com o cha-mado fluxo do tempo. Aqui, é claro, se está em pleno território das especulações. Ainda não sabemos se algum dia poderemos demonstrar que elas são verdadeiras. A resposta, por ora, só pode ser esta: o tempo dirá.
[ Fonte: Revista Super Interessante ]
terça-feira, 13 de janeiro de 2015
sábado, 10 de janeiro de 2015
Neonazismo: os fantasmas de Hitler
Neonazismo: os fantasmas de Hitler - Guia do Estudante
Como a ideologia que prega o ódio renasceu na Europa, o mesmo 
cenário dos crimes contra a humanidade cometidos na Segunda Guerra  e 
como ela se espalha até mesmo no Brasil
TEXTO Eduardo Szklarz |  17/10/2014 14h30
O ruído era ensurdecedor. Jovens de camisas negras se aglomeravam na praça fazendo a saudação Heil Hitler!
 e entoando a Canção de Horst Wessel, o hino nazista. Num bar perto 
dali, intelectuais vociferavam contra gays, culpavam os estrangeiros 
pelo desemprego e advertiam sobre a “conspiração judaica” que levou o 
país à ruína.
A cena bem poderia ter ocorrido na Berlim dos anos 
30. Mas aconteceu em 4 de junho passado em Atenas, berço da democracia, 
durante um ato do partido neonazista grego Aurora Dourada. Em toda a 
Europa, mas também em outros países, a chaga do nazismo renasceu e vem 
crescendo. Tal como ocorreu com Hitler e seus asseclas, usam-se as armas
 da democracia para atacá-la e destruí-la.

Nas
 eleições de maio para o Parlamento Europeu (PE), o Aurora Dourada 
elegeu três deputados. “Somos a terceira força política do país”, disse o
 porta-voz Ilias Kasidiaris, que tem uma suástica tatuada no braço. 
Grupos de extrema direita festejaram a presença recorde em um parlamento
 que a maioria delas rejeita. Na Alemanha, o neonazista Partido Nacional
 Democrático (NPD) conseguiu pela primeira vez um assento no PE. Na 
Hungria, o fascista Jobbik é a segunda maior legenda. A Frente Nacional,
 cujo patriarca, Jean-Marie Le Pen, sugeriu o vírus ebola para 
solucionar o problema da imigração, teve 25% de apoio dos franceses.
O
 que explica esse fenômeno? Qual foi o momento em que ser 
nazista/fascista deixou de ser vergonhoso para se tornar aceitável? É o 
que veremos nesta reportagem.
A fagulha nacionalista
A
 extrema direita não é um bloco monolítico. Alguns partidos são 
racistas, xenófobos, outros são contra muçulmanos ou gays. Muitos são 
tudo isso. Mas há um elemento comum a todos: o nacionalismo. “Nem todo 
nacionalismo é de direita e muito menos fascista, mas todo movimento 
nazifascista é nacionalista”, afirma o historiador Carlos Gustavo 
Nóbrega de Jesus, superintendente da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba,
 em São Paulo.
Nacionalismos florescem em tempos de crise. Tem 
sido assim desde o final do século 19, quando russos massacraram 
milhares de judeus acusando-os pela morte do czar Alexandre II 
(1818-1881). A onda de perseguições se alastrou pelo Leste Europeu, onde
 judeus e outras minorias foram culpados pelas mazelas de cada país. 
Isso porque o nacionalismo não é um mero amor à pátria: é uma defesa 
ferina da identidade nacional que pressupõe a glorificação de “Nós” e a 
exclusão dos “Outros”. Por isso desemboca em violência.
Em
 28 de junho de 1914, por exemplo, o nacionalista sérvio Gavrilo Princip
 disparou contra o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro da coroa 
austro-húngara. E deflagrou a Primeira Guerra. Durante o conflito, o 
nacionalismo serviu de base para a principal – e mais aterradora – 
invenção política do século 20: o fascismo. Era um movimento de massas 
autoritário e populista baseado no anticomunismo, na expansão 
imperialista e em um Estado policial que controlava a vida pública e 
privada das pessoas.
O fascista (e socialista na juventude) Benito
 Mussolini assumiu o poder na Itália em 1922 para logo implantar uma 
ditadura. “O fascismo reconfigurou as relações entre o indivíduo e o 
coletivo, de modo que o indivíduo não tinha direito algum fora do 
interesse da comunidade”, diz o historiador americano Robert Paxton no 
livro The Anatomy of the Fascism (“A Anatomia do Fascismo”).
Em
 1933, o nazismo triunfou na Alemanha agregando um novo ingrediente ao 
pacote fascista: a raça. Hitler quis purificar a comunidade alemã dos 
seres considerados “inferiores”, entre eles judeus, homossexuais, 
eslavos, deficientes físicos e mentais. Segundo o führer, era preciso 
eliminar esses “bacilos” do corpo da sociedade para assegurar a 
supremacia ariana. Após a Segunda Guerra, contudo, o nacionalismo deu 
lugar ao mundo bipolar: EUA x URSS. As superpotências fatiaram o planeta
 em áreas de influência do capitalismo e do comunismo. Na lógica da 
Guerra Fria, ser extremista era vergonhoso. Mas não por muito tempo.
Cara nova
“O
 neonazismo surgiu na Europa entre as correntes de direita mais 
radicais. De certa forma, foi constituído pelos velhos nazistas que 
sobreviveram aos expurgos do pós-guerra, principalmente na Alemanha 
Ocidental”, diz Luiz Dario Ribeiro, professor de História Contemporânea 
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
De fato, 
muitos nazistas convictos ingressaram no serviço público alemão após a 
guerra e aproveitaram os novos cargos para manter vivas as suas ideias. 
Foi o caso de Hans Globke, um dos autores das discriminatórias Leis de 
Nuremberg (1935) e colaborador de Adolf Eichmann, o arquiteto da 
“Solução Final”. Globke virou assessor do chanceler alemão Konrad 
Adenauer nos anos 50. Assim, o anticomunismo da Guerra Fria criou 
condições para que o caráter nazista desses agentes fosse esquecido.
O
 próximo passo deles foi criar organizações de fachada para incorporar 
novos membros. O alemão Partido Nacional Democrático (NPD) e o Movimento
 Social Italiano (MSI), por exemplo, eram agrupamentos nazifascistas que
 se escondiam atrás de nomes simpáticos. “Os novos membros eram jovens 
convencidos de que deveria haver uma luta de vida e morte contra os 
comunistas”, diz Ribeiro.
Nos anos 60, o neonazismo ganhou adeptos
 com a crise do colonialismo europeu. Grupos como o Occident e o 
Exército Secreto Francês (OAS) atraíram nacionalistas frustrados pela 
derrota da França nas guerras de independência da Indochina (1946-54) e 
da Argélia (1954-62). O OAS perpetrou atentados contra argelinos e 
tentou até mesmo assassinar o presidente francês Charles de Gaulle por 
permitir a descolonização.
Pierre
 Sidos, fundador do Occident, era filho de um membro da Milice – a 
brigada paramilitar francesa que caçou judeus e membros da Resistência 
durante a ocupação nazista. Sidos prosseguiu com as ideias do pai, 
recrutando universitários para combater os manifestantes que pediam 
reformas no Maio de 68. De Gaulle proibiu o Occident, mas vários de seus
 membros integraram a Frente Nacional, fundada por Le Pen em 1972.
Os
 neonazistas também buscaram reabilitar a ideologia de Hitler. E para 
isso recorreram a uma teoria pseudocientífica, o revisionismo, que 
acusava os vencedores da guerra de contar a História à sua maneira. O 
pai do revisionismo foi o historiador francês Paul Rassinier. Ele havia 
sido prisioneiro político dos nazistas mas começou a defender o Tercero 
Reich depois da guerra. Ele negava o Holocausto. “Eu estive lá e não 
havia câmaras de gás”, dizia. De fato. Rassinier esteve em Buchenwald, 
um campo de concentração situado na Alemanha que realmente não tinha 
câmaras de gás. Os campos de extermínio ficavam na Polônia ocupada, como
 em Auschwitz e Treblinka, dotados de câmaras de gás e crematórios. Mas 
os livros delirantes de Rassinier conquistaram leitores na Europa e 
foram traduzidos nos EUA pelo historiador Harry Elmer Barnes – outro 
adepto de teorias da conspiração.
Barnes dizia que os julgamentos de nazistas como Eichmann eram uma tramoia sionista e descrevia os Einsatzgruppen
 (esquadrões da morte da SS) como “guerrilhas”. Outro revisionista 
norte-americano, Francis Parker Yockey, tinha ideias ainda mais 
estranhas. Ele defendia uma união totalitária entre a extrema direita, a
 URSS e governos árabes para derrotar o “poder judaicoamericano”. Yockey
 foi preso pelo FBI por fraude, com três passaportes falsos, e se matou 
na prisão em 1960. Mas seu livro Imperium se tornou objeto de culto dos neonazistas.
Gangues se aliam aos partidos
O
 nacionalismo sofreu uma metamorfose com a crise do petróleo de 1973. Em
 meio à recessão europeia, os extremistas adotaram um novo inimigo: o 
imigrante, sobretudo aquele oriundo das ex-colônias árabes. “A xenofobia
 atraiu jovens desempregados e sem perspectivas para a extrema direita”,
 diz Ribeiro.
Foi o caso dos skinheads, uma tribo formada nos anos
 60 na Inglaterra por jovens de classe baixa que curtiam ritmos como ska
 e reggae. Os skinheads originais não eram racistas (muitos eram negros 
jamaicanos), mas alguns deles atacavam gays e asiáticos. E, na recessão 
dos anos 70, uma ala do movimento se vinculou ao partido neonazista 
inglês National Front (NF), que promovia a “superioridade branca”.
“Os
 partidos de extrema direita precisavam de militância e a encontraram 
nas gangues”, diz Nóbrega. Gritos de guerra xenófobos entraram para o 
repertório dos hooligans – torcedores de futebol conhecidos por deixar 
um rastro de vandalismo e pancadaria. O jornalista americano Bill Buford
 conviveu durante quatro anos com hooligans do Manchester United, na 
década de 80, e viu como eles eram facilmente recrutados pelo NF.
Mas
 nem todos os brutamontes que surravam estrangeiros estavam 
desempregados. Muitos aderiram à violência xenófoba por pura sede de 
adrenalina. Foi o caso de Mick, o primeiro hooligan que Buford conheceu.
 “Ele parecia um eletricista perfeitamente feliz, com um enorme maço de 
dinheiro no bolso para comprar passagens e ver os jogos”, diz Buford no 
livro Entre os Vândalos. E, enquanto cooptavam as gangues, os 
partidos de extrema direita seduziam os eleitores. Em 1984, por exemplo,
 a Frente Nacional obteve quase 11% dos votos dos franceses e elegeu 10 
membros ao Parlamento Europeu. Um deles foi Dominique Chaboche, antigo 
membro do grupo Occident.
Para recuperar terreno, partidos de 
esquerda também assumiram o discurso xenófobo e racista. Entre eles o 
Partido Socialista (PS) francês e o Partido Comunista Italiano (PCI), 
que acusaram os imigrantes de macular a cultura nacional. O objetivo era
 frear a debandada de eleitores para a direita. O resultado foi 
desastroso. Judeus franceses estão arrumando malas para mudar para 
Israel por medo de perseguição. De janeiro a maio, 2,5 mil franceses 
emigraram, quatro vez mais que em 2013.
No fim dos anos 80, as 
células extremistas já haviam erguido uma rede internacional. Ela era 
articulada pelo alemão Michael Kühnen, o norueguês Erik Blücher e o 
belga Léon Degrelle, um ex-general de Hitler que vivia na Espanha e 
liderava o Círculo Espanhol de Amigos da Europa (Cedade). Kühnen revelou
 que era gay em 1986, quando estava preso por incitar à violência. Após 
sua morte em decorrência da aids, em 1991, o neonazismo na Alemanha foi 
levado adiante por Christian Worch.

Nos
 EUA, a rede cresceu graças a Willis Carto, fundador do Instituto para a
 Revisão Histórica (IHR) e do extinto Liberty Lobby – que publicava o 
jornal antissemita Spotlight. Timothy McVeigh, o terrorista que
 em 1995 detonou um caminhão-bomba em frente a um edifício em Oklahoma 
City, deixando 168 mortos e 700 feridos, era leitor assíduo do Spotlight. McVeigh colocou anúncios no jornal para vender munição.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2015
segunda-feira, 5 de janeiro de 2015
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