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segunda-feira, 19 de julho de 2010

Brasil X Argentina

Bacia de pólvora
Rivalidades entre brasileiros e argentinos não são de hoje. No século XIX, as disputas entre os dois países levaram a um conflito armado na região do Rio da Prata
Francisco Doratioto
Monte Caseros, 3 de fevereiro de 1852. A trinta quilômetros da capital, Buenos Aires, 24 mil soldados comandados pelo ditador argentino Juan Manuel de Rosas (1793-1877) enfrentam um Exército aliado formado por tropas do Brasil, do Uruguai e das províncias argentinas de Entre Ríos e Corrientes. Depois de sete horas de luta intensa, os homens de Rosas são debelados, com um saldo de 1.500 mortos. Derrotado, o ditador pede asilo ao governo inglês. Era o lance final de uma série de disputas que se arrastavam na região do Rio da Prata – Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai –  havia mais de vinte anos, desde que o estancieiro Rosas assumira o poder na província de Buenos Aires, em 1829.

Líder dos produtores de charque para exportação, em pouco tempo Rosas organizou a Confederação Argentina (que em 1862 deu lugar à República Argentina), recebendo delegação das demais províncias para representá-las externamente. Na prática, tornando-se o único governante. Sob a aparente autonomia provincial, vivia-se uma verdadeira ditadura. Para assegurar o poder, ele incentivava conflitos entre as províncias; dava subsídios às regiões que o apoiavam e utilizava a força contra os rebeldes. No plano econômico, garantiu o monopólio de comerciantes e financistas da capital nas negociações externas ao fechar o Rio Paraná, um dos afluentes do estuário do Rio da Prata, à navegação de barcos mercantes estrangeiros.

Mas o ditador era incansável. Para consolidar a Confederação, fez uma intervenção no Uruguai, já que o porto de Montevidéu concorria com o de Buenos Aires. Durante a guerra civil que se abriu em território uruguaio (1839-1851), Rosas deu apoio militar à facção blanca, liderada por Manuel Oribe (1792-1857), representante dos proprietários de terras. Já seus adversários, os colorados, seguiam Fructuoso Rivera (1784-1854) e contavam com a adesão dos comerciantes e das potências européias.

As reações não demoraram a aparecer. Em 1843, Rosas teve que conter uma sublevação na província de Corrientes. Na mesma época, sofreu ameaça de intervenção por parte da França e da Inglaterra, que exigiam a retirada das tropas argentinas do país vizinho. Procurando conter os ânimos, Rosas propôs ao governo brasileiro uma aliança contra Rivera. Até então, o Império do Brasil – desestabilizado pelas lutas internas da Regência (1831-1840) – havia se mantido neutro. Mas agora a história era outra. Juntando-se ao ditador argentino, segundo parlamentares brasileiros, seria possível pôr fim à revolta no sul. O líder dos colorados uruguaios era aliado dos farroupilhas do Rio Grande do Sul, que tinham se separado do Império e proclamado uma república. Além disso, o Brasil precisava assumir uma posição frente às disputas orientais. Diante de tantas pressões, o governo aceitou a proposta.

Só não contava com a mudança de planos de Rosas. O tratado entre os dois países fora assinado no Rio de Janeiro, em 24 de março de 1843, e depois enviado a Buenos Aires. Mas, para surpresa do Império brasileiro, o argentino recusou-se a ratificá-lo, com o pretexto de que o Uruguai não era definido como um Estado soberano nem Oribe era reconhecido como presidente do país. Desde o início, a idéia de Rosas era colocar o líder da facção blanca como representante máximo uruguaio, o que facilitaria a incorporação do país à Confederação Argentina. Para completar, a ameaça anglo-francesa já fora afastada, os opositores internos, debelados, e Montevidéu mantinha-se solidamente sitiada pelos blancos. Rosas já não tinha motivos para se unir ao Brasil.

A saída para a diplomacia brasileira foi buscar o isolamento de Buenos Aires. Em 1844, o visconde de Abrantes, em missão na Europa, tentou negociar uma ação coletiva para pacificar o Rio da Prata, juntando Brasil, Inglaterra e França. Os países europeus até decidiram agir contra o ditador da Confederação, mas dispensaram a participação brasileira, alegando que não queriam criar complicações diplomáticas. Em 26 de novembro de 1845, uma esquadra anglo-francesa bloqueou o porto da capital argentina e ocupou a ilha de Martín Garcia, ponto estratégico para a navegação no Prata. Em dois meses a vitória foi garantida, e os europeus finalmente atravessaram as águas dos rios Paraná e Paraguai para vender mercadorias. Mas, para sua decepção, só encontraram sociedades agrárias atrasadas, com baixo poder aquisitivo, que praticamente nada compraram. Não tinham mais motivos para hostilizar Rosas. Pelo contrário. O autoritarismo do argentino poderia ser, afinal, elemento de estabilidade política regional e útil ao comércio.

Sem o apoio dos países europeus, restava ao Império do Brasil garantir sua unidade interna. Só assim conseguiria fazer frente ao governo forte da Confederação. Um passo decisivo foi dado em 1º de março de 1845, quando o marquês de Caxias, novo comandante das forças legalistas do Rio Grande do Sul, assinou a paz que pôs fim à Farroupilha e anistiou os revoltosos, incorporando-os às forças imperiais. Mas ainda era preciso evitar que novos movimentos rebeldes surgissem na região. Por isso, acabar com a ditadura argentina tornou-se uma necessidade para o Estado monárquico brasileiro. Afastando o único poder rival que minava sua influência no Rio da Prata, anulava a possibilidade de ajuda externa a novos revoltosos. Também impedia que os vizinhos Paraguai e Uruguai fossem incorporados por Rosas. Se os rios Paraná e Paraguai virassem argentinos nas duas margens, sua livre navegação certamente ficaria bloqueada. E percorrer os rios da bacia do Prata sem restrições era essencial para o Império ter acesso fluvial à distante província de Mato Grosso, praticamente isolada por terra do restante do Brasil. 

No final da década de 1840, uma nova política para o Rio da Prata foi montada pelo novo ministro dos Negócios Estrangeiros brasileiro, Paulino José Soares de Souza, futuro visconde do Uruguai. Ele tinha certeza de que Rosas logo iria se impor à oposição interna argentina, e em seguida anexaria o Paraguai à Confederação. Neste caso, o Império brasileiro ficaria isolado. Para impedir esse revés, apoiou financeiramente os colorados, que só controlavam Montevidéu. Porém, para evitar que sua participação ficasse explícita, recorreu ao banqueiro Irineu Evangelista de Sousa, futuro barão de Mauá. De portas fechadas, foi assinado um acordo no Rio de Janeiro, em 6 de dezembro de 1850, assegurando ao governo colorado empréstimos mensais de 18 mil pesos até agosto do ano seguinte.

Mas as tensões entre os dois países só aumentavam. Rosas rompeu relações diplomáticas com o Brasil, que se preparou para intervir no Uruguai e na Confederação. A situação se agravou ainda mais quando o ditador tentou ampliar o controle sobre as províncias do litoral fluvial, já fartas do monopólio comercial exercido pelo porto de Buenos Aires. Em reação, o governador de Entre Ríos, Justo José Urquiza (1801-1870), se uniu ao Império brasileiro em janeiro de 1851. Quatro meses depois, o governo de Montevidéu juntou-se a eles, e começou a ser preparada uma ofensiva com o objetivo de manter a independência e pacificar o Uruguai. Não demorou para que as forças de Urquiza entrassem em território uruguaio. Rosas reagiu declarando guerra ao Brasil em 18 de agosto. Em dois meses as forças de Oribe rendiam-se ao governador de Entre Ríos.

Mesmo assim, a guerra a Rosas não cessava. Um novo tratado de aliança entre o Império brasileiro, o governo uruguaio e as províncias de Entre Ríos e Corrientes foi assinado em novembro. Pelo acordo, os líderes provinciais argentinos comprometiam-se a convencer o sucessor de Rosas a liberar a navegação pelo Rio Paraná e por outros afluentes do Prata. O Rio de Janeiro financiaria a luta, entregando a Urquiza, durante quatro meses, 100 mil patacões mensais (com juros de 6% ao ano). Além disso, forneceria todo o material de guerra que fosse solicitado. Comandado por Urquiza, o Exército aliado contava com uns 20 mil homens, aos quais se juntaram 1.800 uruguaios e 4.020 brasileiros, liderados pelo general Manoel Marques de Souza. Se fosse necessário, outros 16 mil soldados – de prontidão em Sacramento, no Uruguai – atacariam Buenos Aires. Nem foi preciso. Bem perto da capital, os aliados selaram sua vitória na batalha de Monte Caseros. Com Rosas refugiado na Inglaterra, desaparecia o maior obstáculo ao Império brasileiro no Rio da Prata.
   
Francisco Doratioto é professor do Departamento de História da Universidade de Brasília e autor de General Osório: a espada liberal do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

Saiba Mais - Bibliografia:

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na bacia do Prata.  Rio de Janeiro: Revan, 1998.

CISNEROS, Andrés; ESCUDÉ, Carlos. Historia general de las relaciones exteriores de la República Argentina. Buenos Aires: CARI ∕ Grupo Editor Latinoamericano, 1998, t. IV. 

GANNS, Cláudio. Visconde de Mauá; autobiografia. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.

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