Os tijolos que hoje se desprendem de uma velha capelinha da fazenda
Cruzeiro do Sul, em Buri (SP), servem como pistas para rastrear como um
integrante de um abastado clã do Rio de Janeiro transformou sua
propriedade num testemunho de admiração ao nazismo nos anos 1930.
Nessa fazenda, os blocos de barro eram feitos com uma suástica estampada.
Fazenda Nazista
José
Ricardo Rosa, 55, conhecido como "Tatão" segurando um tijolo com a
suástica nazista; após herdar a fazenda Cruzeiro do Sul na cidade de
Campina do Monte Alegre ele encontrou por acaso tijolos com o sinal
nazista usados na construção
Alguns desses tijolos viraram material para pesquisadores, assim como
fotografias de bois marcados a ferro quente com o símbolo nazista,
bandeiras e uma série de outros documentos encontrados na propriedade em
Buri.
Sérgio Rocha Miranda cuidava da fazenda Cruzeiro do Sul. A propriedade
vizinha, a Santa Albertina, ficava sob os cuidados de seu irmão, Oswaldo
Rocha Miranda.
Nela, funcionava uma espécie de fazenda-orfanato para 50 meninos mantidos em um regime quase escravo.
Com idades entre 9 e 12 anos, esses garotos (somente dois deles brancos)
foram entregues a Oswaldo em 1933 e 1934, após decisão judicial.
Todos haviam sido abandonados no orfanato católico Educandário Romão de
Mattos Duarte, no Rio, e foram retirados de lá por Oswaldo com a
promessa de terem uma vida melhor, segundo Aloysio Silva, 89, o "menino
número 23" da lista de 50.
"Era uma vida diferente da prometida. Era castigo por tudo, trabalhava
muito, até de fazer a mão sangrar", conta Aloysio, o número 23.
Os irmãos Maurício e Ângela Miranda, herdeiros da Santa Albertina,
contestam a versão de que seus dois tios-avôs fossem nazistas que
escravizaram os meninos.
As fazendas, que se espalhavam por área que hoje alcança três
municípios, chegaram à família via Luis Rocha Miranda, simpatizante do
movimento fascista Ação Integralista Brasileira.
Pai de Sérgio e Oswaldo, Luis comprou as propriedades do brigadeiro
Rafael Tobias de Aguiar (1794-1857), fundador da PM de São Paulo.
As primeiras marcas da simpatia de Sérgio pelo nazismo foram descobertas
em 1997 pelo tropeiro José Ricardo Rosa Maciel, 55, o Tatão. Dono de
espessa barba branca, ele narra a descoberta.
"Teve uma briga da porcada, que derrubou a parede do chiqueiro. Quando
vi o estrago, achei os tijolos com a marca nazista. Passaram anos me
chamando de louco, mas agora tá tudo comprovado pelos estudos do doutor
Sidney."
Tatão se refere ao historiador Sidney Aguilar Filho, 45. Em 1998, ele
dava aula para a enteada de Tatão quando ela revelou que, na fazenda
onde vivia, havia tijolos com aquele "símbolo alemão" das aulas de
história.
Sidney investigou por mais de uma década e, em 2011, apresentou sua tese
de doutorado na Unicamp sobre a exploração do trabalho e a violência à
infância no país no período de 1930 a 1945.
"Por muitos anos, aqueles meninos foram submetidos a um regime de
trabalho como se fossem adultos, sem remuneração, sem liberdade de ir e
vir e estudando pouco. Mas aquilo era aceito pela sociedade", diz ele.
ANDRÉ CARAMANTE
ENVIADO ESPECIAL AO INTERIOR DE SP
ENVIADO ESPECIAL AO INTERIOR DE SP
[Fonte: Folha de São Paulo]
A História está impregnada nos detalhes do cotidiano. Cedo ou tarde surge com mais clareza, dependo do foco, capacidade ou acasos.
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