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segunda-feira, 28 de maio de 2018

Grandes idéias em grandes crises

A dor ensina a gemer

Crises e guerras devastaram exércitos e mergulharam impérios na recessão e no caos. Mas também serviram de estímulo para inventos que mudaram a história da humanidade

por Bianca Nunes
Louis Braille (1809-1852) tinha só 3 anos quando, brincando na oficina do pai artesão, cortou o olho direito com um furador de couro. A família tratou o machucado em casa - eles moravam num pequeno vilarejo da França de 1812. Logo o ferimento infeccionou e passou para o outro olho. Dois anos mais tarde, Louis estava completamente cego.

A deficiência não impediu que ele fosse educado. Tão logo aprendeu a ler com o tato, Louis foi enviado a uma escola para cegos de Paris - a primeira do tipo na época. Aluno dedicado, impressionou-se quando, em uma das aulas, aprendeu um código sem som criado no Exército para comunicação de soldados durante a noite. Louis gostou da ideia e incrementou o código, que tinha pontos em alto relevo. Até então, quase tudo na escola era feito por memorização.

Aos 15 anos, ele criou um sistema que é usado até hoje por cegos de qualquer país para se comunicarem com o mundo. A invenção que levou seu nome veio de uma necessidade pessoal de Louis: ele queria aprender de uma forma simples. A angústia e a dedicação fizeram com que o jovem descobrisse um jeito de melhorar sua própria vida e a dos deficientes que viviam como ele, no escuro.

Muitas outras descobertas também ocorreram durante crises, em momentos sofridos e cruciais para seus inventores, quando o mundo exigia deles uma saída. Às vezes para sua própria sobrevivência e conforto.

"A crise provoca a mudança, que pode ser ‘boa’ ou ‘má’ para a humanidade. Algumas pessoas se adaptam aos momentos difíceis ou têm habilidades específicas que ajudam a fazer da crise algo positivo. Em muitas ocasiões críticas, como a situação econômica atual, há oportunidades que podem beneficiar alguns", afirma Lisa Rosner, professora de história da ciência da Universidade de Stockton (EUA), pesquisarora e autora de The Technological Fix: How People Use Technology to Create and Solve Problems ("O Conserto Tecnológico: Como as Pessoas Usam a Tecnologia para Criar e Resolver Problemas", sem tradução para o português).

Quem dá outro exemplo de superação em tempos de turbulência é Edward Tenner, especialista em história da tecnologia. "Com certeza, a Dinamarca, após perder a Noruega, a Islândia e a região de Schleswig-Holstein, se tornou mais próspera do que nunca. Criou novas indústrias que incluíam a produção de manteiga e queijo, móveis de madeira e turbinas eólicas. Eles passaram de uma cultura hierárquica, que vivia como satélite da aristocracia do norte da Alemanha, para uma sociedade que era capaz de exportar produtos de maneira igualitária e atingiu níveis de vida ótimos. Hoje, os dinamarqueses são, de acordo com pesquisas, as pessoas mais felizes da Europa - em um paradoxal resultado por terem perdido muitas guerras."

Mas por que isso acontece? Como momentos dramáticos podem despertar soluções inovadoras? Historiadores chegaram a algumas conclusões estudando esse comportamento. Primeiro: "ideias brilhantes" não surgem do nada. Segundo Lisa Rosner, "elas acontecem porque os inventores entendem a necessidade que passam e pesquisam sobre o assunto. Eles têm acesso às soluções propostas por outros e eles tentam muito".

Traumas criativos e invenções
Necessidades que levaram a grandes soluções

Feridas abertas
Assombrado pelas cenas terríveis que testemunhou como voluntário num centro médico do Exército britânico durante a Primeira Guerra Mundial, o pesquisador Alexander Fleming (1881-1955) procurou outras formas de tratar ferimentos infeccionados. Até então, não era possível curar as feridas mais graves sem remover pelo menos parte do tecido atingido das vítimas. Ao ver de perto o sofrimento dos doentes, se dispôs a buscar um tratamento eficaz. Descobriu a penicilina, o primeiro antibiótico, em 1928.

Sangue no armário
A falta de sangue para transfusões durante a Segunda Guerra levou o médico americano Charles Drew a encontrar um modo de transportar o material por longas distâncias sem que se estragasse. Ele separou o sangue entre plasma (a parte líquida) e células vermelhas, o que permitia o armazenamento prolongado. No início dos anos 1940, a Inglaterra pediu ajuda aos EUA para atender vítimas civis e militares. Drew coordenou um projeto da Cruz Vermelha para coletar e enviar o sangue salvador à Grã-Bretanha.

Na falta de cão acaba o sabão
A base dos detergentes sintéticos apareceu na Alemanha, em 1917, quando os suprimentos de gordura animal estavam em falta por causa das batalhas da Primeira Guerra Mundial. A gordura era, então, a principal matéria-prima do sabão. Chamado de Nekal, o produto desenvolvido pelos químicos H. Gunther e M. Hetzer, a partir de uma ideia original do fim do século 19, só circulou nos tempos de guerra, mas foi um sucesso comercial. Aprimorado, está hoje em todas as cozinhas. E os cães agora podem perambular tranquilos.

A imprensa e a peste negra
Há quem diga que a peste negra, no fim da Idade Média, ajudou no desenvolvimento do Ocidente. Os historiadores David Herlihy e Samuel Cohn argumentam que a pandemia que dizimou quase um terço da Europa deu início a uma onda de descobertas tecnológicas que levaram à Revolução Industrial. Um dos exemplos citados é a invenção da prensa de Gutenberg, em 1453. Eles sugerem que os tipos móveis vieram a substituir o exército de monges copistas que teriam sido mais rapidamente atingidos pela peste do que o resto da população.

O rádio é do povo
As primeiras transmissões de rádio são do século 19, mas só depois da Primeira Guerra a radiodifusão chegou, de fato, à população civil. A Westinghouse, empresa americana que fabricava aparelhos para as tropas europeias, se viu com um excedente encalhado. A fim de evitar o prejuízo, a empresa instalou uma grande antena no pátio da fábrica e transmitiu música para os moradores de um bairro de Pittsburgh. O golpe de marketing funcionou e os aparelhos foram vendidos.

Blues para amenizar a dor
O blues nasceu no Mississippi (EUA), no delta do rio Yazoo, uma região de inundações, própria para a plantação de algodão. Lá viviam escravos negros, que cantavam para aliviar o sofrimento do trabalho. Eram lamentos em forma de gritos melancólicos. Como os escravos eram proibidos de usar instrumentos, a voz era o único recurso musical. Depois veio o ritmo sincopado, a marcação nos pés, o falsete nos vocais e, claro, a marcação típica do violão. O primeiro blues - gíria da época para definir a tristeza - foi gravado em 1914.

A explosão dos Fertilizantes
O uso de substâncias para adubar o solo data dos primórdios da agricultura. Os fazendeiros da Antiguidade sabiam que a terra envelhecia. Em vez de buscar novas áreas de cultivo, eles passaram a incrementar o terreno. Os egípcios espalhavam cinzas de sementes, e há relatos de que gregos e romanos fertilizavam a terra com excremento animal. A indústria de fertilizantes sintéticos surgiu depois da Primeira Guerra, para dar fim ao excedente de explosivos de nitrogênio (TNT) que já não tinham serventia.

Mais forte que a seda
Devido às dificuldades no comércio mundial depois da quebra da bolsa de valores, em 1929, o preço da seda disparou. O Japão era, naquele momento, o principal exportador para os Estados Unidos e um dos maiores fabricantes mundiais do produto. Em busca de um tecido leve, resistente e mais barato, a empresa DuPont decidiu investir no desenvolvimento de uma fibra sintética que substituísse a seda. Foi assim que o funcionário Wallace Carothers produziu uma fibra forte e elástica que não derrete a menos de 195 graus Celsius. Criado em 1930, o náilon não é só usado para fazer roupas. Serve para fabricar linhas de pesca, tapetes e carpetes, entre outras utilidades.
Sem gasolina? Vai de álcool
Crise do petróleo abriu espaço para outros combustíveis

Em 1973, a decisão de alguns países de diminuir a produção de petróleo e aumentar seu preço foi catastrófica para o resto do mundo. Não havia alternativa viável, e as pesquisas sobre outros tipos de combustíveis estavam engatinhando. Em apenas três meses, o preço de um barril passou de US$ 2,90 para impressionantes US$ 11,65 e as vendas para a Europa e os EUA foram embargadas por causa do apoio a Israel na Guerra do Yom Kippur (1973). A oferta do produto despencou e alguma coisa precisava ser feita.

O Brasil inovou. Em 14 de novembro de 1975, o governo assinou um decreto implantando o Programa Nacional do Álcool, o Proálcool, que estimulava a produção do etanol para a substituição de combustíveis fósseis. "O Proálcool foi implantado quando o Brasil gastava, anualmente, mais de US$ 10 bilhões na importação de petróleo e derivados. Foi a única nação que encontrou um substituto adequado e menos poluente para o petróleo", diz Luiz Gonzaga Bertelli, autor de Crise Energética.

Segundo ele, hoje, o volume do etanol de cana comercializado já é superior ao da gasolina automotiva. "O programa colaborou, decisivamente, para o desenvolvimento sustentável do Brasil. Mais de 1 milhão de empregos diretos e 4 milhões de indiretos dependem da indústria sucroalcooleira. Se considerarmos todo o petróleo e a gasolina que deixamos de queimar desde 1977, quando ocorreu o início da efetiva produção do etanol no país, economizamos US$ 234 bilhões em valores atualizados."

Saiba mais

LIVROS
The Technological Fix: How People Use Technology to Create and Solve Problems, Lisa Rosner, Routledge, 2004
Ensaios sobre a necessidade de o homem recorrer à tecnologia para enfrentar desafios.

A Vingança da Tecnologia, Edward Tenner. Campus, 1997
As irônicas consequências das inovações mecânicas, químicas, biológicas e médicas.

Fonte: Aventuras na História

Um comentário:

  1. Caro Pedro,
    O seu blog também é bem bacana. Como descobriu o História Informar? Sou o responsável por ele, prof. da rede estadual, em Bom Sucesso/MG. Vamos linkar respectivamente nossos blogs perfazendo uma rede de História!
    Me cadastrei como seguidor.
    Um abraço,
    Paulo Henrique

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