Ricardo Carvalho 26 de agosto de 2011 às 9:02h
O Plano Nacional de Educação (PNE), atualmente em discussão na Câmara dos Deputados, prevê que o Brasil passe a investir 7% do seu Produto Interno Bruto (PIB) no financiamento direto da educação pública. Trata-se da mais polêmica meta do plano que deve estabelecer os rumos da educação brasileira nos próximos dez anos. Hoje, o Brasil gasta cerca de 5% do seu PIB no setor.
A discussão em torno da fatia do bolo a ser destinada para o ensino público, – a meta 20 do novo PNE – é o ponto-chave que definirá o sucesso ou o fracasso da proposta. Quando foi sancionado o primeiro plano, em 2001, o então presidente Fernando Henrique Cardoso vetou a destinação dos mesmos 7% do PIB para a área. Se não era natimorto, o antigo PNE nasceu em estado terminal, como classificou em entrevista à Carta na Escola o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Idevaldo Brandão. “Se ele (o plano) sofreu vetos de FHC após a proposta ser aprovada na Câmara, esses vetos poderiam ter sido derrubados por Lula”. Isso não aconteceu, e o Brasil tenta reeditar a meta previamente debatida no decênio anterior.
Especialistas que estiveram envolvidos nas discussões do novo plano, inclusive nas deliberações da Conae (Conferência Nacional de Educação) que compuseram um primeiro – e bem mais ousado – rascunho enviado ao Ministério da Educação (MEC), têm razões para se preocupar. Apesar de conter avanços, como a redução de metas (o antigo tinha mais de 200) e a garantia de que haverá um aumento de 2% nos recursos destinados, o texto, que já deveria estar em vigor, ainda tramita no Congresso, com inúmeras propostas de emendas, e retoma alguns pontos que já deveriam ter sido atingidos no primeiro PNE. Além do mais, para equilibrar o crescente aumento no número de matrículas, seja do ensino básico ou do superior, com uma oferta de qualidade, 7% é pouco.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, organização fundada em 1999, defende ao menos 10% do PIB para o ensino público. O motivo: no atual cenário brasileiro, insistir num valor menor significaria perpetuar a dissociação entre o acesso e a qualidade do ensino. “Nos últimos anos, o Brasil conseguiu expandir o número de matrículas, mas não aumentou os recursos destinados. Se não compensarmos esse subfinanciamento, protelaremos por mais uma década a luta para alcançar padrões mínimos de qualidade”, diz o coordenador geral da campanha, Daniel Cara.
No último dia 17, a campanha divulgou a nota técnica “Por que 7% do PIB para a educação é pouco?”, uma resposta à nota explicativa e à planilha de custos apresentadas pelo MEC referentes ao PNE 2011. A nota justifica as opções do Governo Federal na elaboração do plano; já a planilha quantifica quanto sairá a conta dos investimentos necessários. O coordenador Cara explica que a nota técnica da campanha visa delinear o esforço necessário para que o Brasil cumpra seus deveres em relação à educação estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, principalmente nos termos dos artigos 205 e 206 da Carta, que tratam de princípios de igualdade de condição de acesso, gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, valorização dos profissionais e garantia de padrões de qualidade.
A principal crítica aos valores apresentados pelo MEC é em relação ao custo-aluno utilizado, que, segundo a campanha, não corresponde à realidade das redes públicas. Para se ter uma ideia, o custo-aluno utilizado pelo ministério para o período de creche (zero a três anos) é de 2.252 reais ao ano. A Campanha, por sua vez, utiliza o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), índice incorporado pelo Conselho Nacional de Educação que mede o necessário para conferir um padrão mínimo de qualidade. Para o mesmo ciclo, o valor CAQi é de 6.450 reais.
Nos demais ciclos, os valores utilizados pelo MEC se aproximam, e às vezes passam, do CAQi. A discrepância volta a ser observada na Educação Superior a Distância, quando o ministério trabalha com pouco mais de 3mil reais por aluno-ano e a campanha, com 6,2 mil.
Refazendo os cálculos com base nos valores de qualidade inicial, além de considerar as necessidades de valorização do trabalho do professor e a universalização do acesso, a campanha argumenta que serão necessários mais 5,403% do PIB.
Alcançar padrões mínimos de qualidade no decênio 2011-2020 permitiria ao Brasil, diz Cara, perseguir as metas dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento das Nações Unidas (OCDE) – grupo de nações com os melhores desempenhos no globo no campo da educação – no PNE seguinte (2021-2030). Os índices custo aluno ano praticados por estes países são superiores, em todos os ciclos, ao CAQi e aos valores do MEC. Enquanto para o as séries iniciais do ensino fundamental o ministério diz trabalhar com 2,6 mil reais por estudante, os membros da OCDE trabalham com 4,1 mil reais.
“Investir mais agora adiantaria em 20 anos o que, neste ritmo, ocorrerá em 40”, defende o coordenador.
Financiamento
O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, diz ser possível chegar à destinação de 10% do PIB para a educação. O investimento é necessário, afirma, não apenas para atingir os níveis de qualidade de ensino, mas para conseguir universalizar o acesso. Dados do IBGE de 2010 mostram que ainda há 3,6 milhões de crianças e jovens entre quatro e 17 anos fora dos bancos escolares.Para equalizar a conta, Pochmann aponta alguns caminhos. Primeiro, reduzir o abatimento de tributos de instituições privadas de ensino, que impedem a arrecadação de 5 bilhões de reais que poderiam ser investidos na educação pública. Além do mais, a carga de impostos precisaria ser revista, com a taxação de grandes fortunas.
O presidente do Ipea destaca que a ampliação dos investimentos é fundamental para que o Brasil supere um ensino público disfuncional. “Hoje temos 14% dos jovens no Ensino Superior. Os países desenvolvidos trabalham com margens muito maiores, em alguns casos de 70%”.
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