" História, o melhor alimento para quem tem fome de conhecimento" PPDias

sábado, 10 de novembro de 2012

“O excesso de decoração está tomando o espaço do conteúdo”


por Walter Pinto
foto Alexandre Moraes

José Jobson Arruda é autor de dezenas
de livros didáticos

Professor aposentado da USP e titular do Instituto de Economia da Unicamp, Jobson Arruda é autor de História Moderna e Contemporânea, livro que atingiu a incrível marca de 15 milhões de leitores. Publicado durante o Regime Militar, o livro foi na contramão das interpretações impostas pelo regime policialesco instaurado, optando pelo materialismo histórico. Em entrevista ao Jornal Beira do Rio, o historiador critica os excessos imagéticos das produções gráficas; aponta a metodologia de transmissão de conhecimento que julga mais eficiente; comenta a relação nada pacífica entre professores universitários e livros didáticos e diz por que as editoras demoram a incorporar novos conhecimentos às obras para o ensino secundário.

Beira do Rio – A supervalorização de elementos gráficos nos livros didáticos atuais pode comprometer a qualidade dos conteúdos?

José Jobson Andrade Arruda – Os livros atuais apresentam pouco texto e muitas imagens. Valoriza-se muito a decoração. Não seria um problema desde que os excessos imagéticos não prejudicassem o conteúdo, mas o trabalhasse no sentido de facilitar a compreensão dos alunos. Atualmente, os autores escrevem textos e, ao mesmo tempo, precisam reforçar a aprendizagem. Então, lançam mão de diferentes estratégias. O problema surge quando a decoração se torna excessiva e começa a tomar o espaço do conteúdo. 

Beira do Rio – A partir da sua experiência, comente as metodologias utilizadas pelos autores, levando em conta a questão da informação. 

J.J.A.A.– Logo após o governo militar, uma corrente vigente, durante certo tempo, foi a História Temática. Acontece que a opção por eixos temáticos apresenta todos os defeitos das demais segmentações feitas no estudo da História.  O grande problema é que você tem que escolher um ângulo de ataque, tem que escolher uma opção. Como vou escrever tal história? Vou fazê-la segmentada? Vou começar pela História da Europa e depois partir para a História do Brasil? - a forma clássica. Ou vou fazer uma História Integrada? -  opção que tivemos num certo momento. Sou autor de um livro, já não mais editado, chamado História Integrada. Do ponto de vista da informação, penso que se trata da forma mais eficiente, porque concilia a sequência cronológica sem separar os conteúdos. Na História Integrada,  em vez da forma clássica, as Histórias da Europa e do Brasil surgem juntas. Foi assim que procedemos naquele livro. Quando se falou da Pré-História, introduzimos a Brasileira e a Americana. Com a expansão europeia, abordamos as Sociedades Pré-Colombianas. Quando tratamos da Revolução Industrial, inserimos  questões da indústria em todo o mundo, inclusive no Brasil. Mas essa História Integrada encontrou um obstáculo: os professores não tinham treinamento para trabalhar Grécia, Mesopotâmia, Império Romano e Idade Média com a mesma desenvoltura com que trabalhavam a História do Brasil. Os professores são treinados dentro de uma segmentação: os de História Geral e os de História do Brasil. Dentro desta última, há uma segunda segmentação: Brasil Colonial e Brasil Independente. Pessoalmente, não tive dificuldade em sala de aula com a abordagem integrada, porque fui professor de cursinho durante trinta anos. O professor de cursinho não pode escolher. Começa dando História da Grécia e acaba na Segunda Guerra Mundial ou começa pelo Brasil Colônia e termina na República. Acabei conquistando um domínio geral das temáticas, o qual me tornou capaz não só de fazer o livro, como também de ministrar os diferentes conteúdos. Mas esta não é a experiência de todos os professores. Então, alguns livros, como História Integrada, possuem uma ótica que considero adequada, mas impossível de ser realizada.

Beira do Rio – Qual o problema que o senhor aponta em relação à História Temática?

J.J.A.A.– A História Temática se aproxima mais da especificidade do professor. É a ideia de que se deve partir do mundo mais próximo a você, daquelas relações cotidianas, provavelmente, mais fáceis de serem entendidas pelos alunos, até atingir as questões mais gerais. Ora, na verdade, qualquer método serve. Você pode sair do singular e atingir o plural ou sair do plural e atingir o singular. O problema é se você faz essa viagem ou não. Essa é a questão. Porque, às vezes, você começa com um universo que é próximo, mas não consegue ultrapassar esse limite. Vou dar um exemplo: se preciso privilegiar a História do Pará, faço uma série de pesquisas e descubro que há uma História do Pará que não é a mesma História do Brasil. No Período Colonial, eram dois mundos praticamente à parte, apesar de terem a mesma metrópole conjugando os dois universos. Em determinado momento, em busca de uma identidade paraense na História, posso correr o risco de deixar de buscar as conexões do Pará com aquele outro Estado brasileiro. Então, vou deixar de ter um conhecimento histórico mais aprofundado, porque, afinal de contas, o Pará não estava isolado do resto do Brasil e, muito menos, do mundo. Esse é o risco da História Temática.

Beira do Rio – Por que o livro didático é tão criticado pelos professores universitários no Brasil?

J.J.A.A.– Eu conheço alguns livros--texto que são “livros didáticos” de ótima qualidade. O historiador Stuart Schwartz, especialista em Brasil, autor de 15 excelentes livros, entre os quais, o recente Cada um na sua Lei, possui um livro didático de altíssima qualidade nos Estados Unidos, utilizado e vendido em muitas universidades americanas. No Brasil, há um ranço negativo contra o “livro didático” nas universidades. Ora, os livros didáticos não são ruins; são instrumentos importantes. Mas, dependem de como são produzidos e utilizados. Essa visão que há contra o livro didático está relacionada, também, ao fato de o professor universitário se julgar um pouco superior a tudo aquilo que se faz no ensino secundário. Eu conheço muitos professores universitários que começaram dando aula em faculdades sem ter nenhuma experiência de sala de aula no ensino secundário, numa escola de periferia. Então, são pessoas que acabam se considerando um pouco superiores. Por outro lado, hoje, há uma pletora de livros didáticos sendo editados todos os anos. Então, vem a pergunta: o que esse material todo tem de novidade? Na verdade, é um material engessado. Vou citar um exemplo desse engessamento: dentro do tema migração portuguesa para o Brasil, há, no Pará, numerosas coisas que são absolutamente novas em termos de migração. Quando essas coisas novas vão passar para os livros didáticos? Eu respondo: vai demorar. No livro didático, entram coisas que são generalizadas por todos os outros livros didáticos, porque são aquelas cobradas nos exames vestibulares, no Enem ou em qualquer outro tipo de seleção. Todos esses exames são obrigados a trabalhar numa mediana do conhecimento, nunca na ponta. Então, trabalhando com conhecimento consolidado, numa perspectiva de continuidade, serão sempre avessos à inovação da História.

Fonte: Jornal  Beira do Rio  -  Publicado em Março de 2010

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