No início do século XX, poucos eram os jovens
interessados em ingressar na Marinha. Muitas vezes, os marinheiros eram pessoas
alistadas à força nas ruas ou nas prisões, ou menores pobres e órfãos enviados
à Armada por juízes ou tutores.
As razões desse desinteresse variavam: baixos
soldos, intensa carga de trabalho, alimentação de péssima qualidade e o longo
tempo de serviço – entre nove e quinze anos. Havia ainda relatos de violência
sexual contra os marujos e de castigos físicos que a corporação costumava
aplicar aos marinheiros acusados de desobedecer às normas internas da
corporação.
Entre esses castigos estava a palmatória, a prisão
a ferros, a solitária e o mais temido de todos, a chibata, algo que não era
exclusivo da Marinha brasileira. Outros países já haviam feito uso da chibata
como “sistema disciplinar”, porém, durante o século XIV tal prática foi pouco a
pouco abandonada: a Espanha a aboliu em 1823; a França, em 1860; os Estados
Unidos, em 1862; a Grã Bretanha, em 1881.
No Brasil, entretanto, a chibata persistia. Em protesto
contra essa prática, desde 1890 irromperam rebeliões de marinheiros em diversos
estados brasileiros, como em Mato Grosso e no Rio Grande do Sul. A mais
significativa delas, ocorrida em 1910 no Rio de Janeiro, contou com a
participação de 2300 marujos, que assumiram o controle de vários navios de
guerra e chegaram a matar cinco oficiais.
O estopim para a Revolta da Chibata – como ficou
conhecida a rebelião – foi a pena de 250 chibatadas imposta ao marujo Marcelino
Rodrigues Menezes, acusado de introduzir no encouraçado Minas Gerais, ancorado
na Bahia da Guanabara, no Rio de Janeiro, duas garrafas de pinga. Indignados, os marinheiros do navio se
rebelaram no dia 22 de novembro de 1910, sob a liderança de João Cândido. Como um
rastilho de pólvora, a revolta se estendeu imediatamente para outras
embarcações de guerra. Senhores dos navios, os amotinados apontaram seus
canhões para o palácio do Catete, sede do governo, exigindo o fim dos castigos
físicos e a melhoria da alimentação e das condições de trabalho na Marinha.
O governo se comprometeu a atender as reivindicações
e a conceder anistia aos revoltosos. No entanto, após deporem as armas, João
Cândido e outros líderes da revolta foram presos e julgados. Muitos deles
acabaram enviados para o Acre, obrigados a trabalhar na construção da estrada
de ferro Madeira-Mamoré. João Cândido ficou detido na ilha das Cobras, no Rio
de Janeiro, e chegou a ser enviado a um hospício, sob a acusação de sofrer de
alucinações. Foi posto em liberdade em 1912 com a ajuda da irmandade da Igreja
Nossa Senhora do Rosário, associação que lutou pelo fim da escravidão no Brasil
e que custeou as despesas dos advogados de defesa do marinheiro. Como resultado
da rebelião, o uso da chibata na Marinha foi extinto.
Fonte: GRANATO, Fernando. O negro da chibata. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
Apesar de seu feito heroico, morreu anônimo e pobre, como carregador de peixes no Rio, em 1969. A conhecida música “O Mestre-sala dos mares”, de João Bosco e Aldir Blanc, foi composta em homenagem a João Cândido.
O Mestre-sala dos mares (João Bosco e Aldir Blanc)
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar na alegria das regatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas
Jorravam das costas dos santos entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que, a exemplo do feiticeiro, gritava então
Glória aos piratas
Às mulatas, às sereias
Glória à farofa
à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento as pedras pisadas do cais
Mas salve
Salve o navegante negro
Que tem por monumento as pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo
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