Na Roma antiga, quando a república enfrentava situações muito graves, os cônsules designavam um ditador que assumia todos os poderes até que se restabelecesse a normalidade. No século XIX, com o surgimento das democracias modernas, o termo ditadura voltou a ser utilizado, agora para designar os regimes políticos cuja legitimidade não se fundamenta no modelo democrático liberal.
Ditadura é o regime político em que uma pessoa ou um pequeno grupo exerce o poder absoluto independentemente da aprovação dos governados. Esse sistema é também chamado totalitário, embora o conceito de totalitarismo seja utilizado mais especificamente para designar movimentos ideológicos em que as pessoas e a sociedade estão subordinadas ao estado, como no fascismo italiano, no nacional-socialismo alemão ou no socialismo stalinista.
Modernamente, o conceito de ditadura aproxima-se mais da idéia de tirania da antiguidade do que da ditadura romana. Platão e Aristóteles enfatizaram que a marca da tirania é a ilegalidade -- o exercício do poder pela vontade absoluta de uma pessoa ou grupo ou a violação da legislação em vigor. Suas descrições de tiranias na Grécia antiga e na Sicília têm características muito próximas das formas que as ditaduras modernas adotam. Como os tiranos descritos, os ditadores ganham o controle social e político despótico pelo uso da força e da fraude. A intimidação, o terror e o desrespeito às liberdades civis estão entre os métodos usados para conquistar e manter o poder. A sucessão nesse estado de ilegalidade é sempre difícil.
Aristóteles e Maquiavel chegaram à mesma conclusão sobre o destino das tiranias -- seu inevitável colapso. Para os dois pensadores, a história dos tiranos ensinou que esse é um dos regimes de menor duração entre todas as formas existentes de governo. Aristóteles atribuiu a vida relativamente curta das tiranias à fraqueza inerente dos sistemas que usam a força sem o apoio do direito; Maquiavel considerou que a queda das tiranias se deve às "desventuras imprevisíveis da sorte".
Em geral, o regime ditatorial é conseqüência de um processo de convulsão social profundo, provocado por uma situação revolucionária ou guerra. Quase sempre a ditadura é imposta por um movimento militar contra as estruturas do poder anteriormente estabelecido, o que caracteriza um golpe de estado. Em alguns casos, trata-se de um movimento que defende os interesses de um grupo minoritário dentro do estado; em outros, defende setores mais amplos da sociedade.
Às vezes o regime ditatorial não se instala por meio de golpe militar e sim de golpe de estado político a partir das próprias estruturas do sistema que se pretende abolir, como ocorreu na ditadura nazista imposta por Hitler na Alemanha e na ditadura fascista de Mussolini na Itália. Nesses casos, aproveita-se a debilidade das instituições para atribuir poderes políticos expressos a um partido não-democrático que já impusera sua prepotência.
Os estados ditatoriais buscam legitimidade em teorias como o caudilhismo, segundo a qual em determinadas épocas históricas surgem no mundo pessoas dotadas de um carisma especial, o que, em sociedades em que o sentimento religioso é muito forte, pode adotar a forma de "unção sagrada". Essas pessoas estariam destinadas a conduzir a nação a objetivos de valores transcendentes. Em certas ocasiões, os regimes de exceção adotam formalidades democráticas que até admitem a existência de partidos políticos afins e chegam a fazer eleições periódicas, invariavelmente vencidas por aqueles que as convocam.
Além da força policial usada para assegurar a manutenção do poder, as ditaduras, de maneira sistemática, recorrem à propaganda política e ao culto da personalidade do ditador como um meio eficaz de manter o apoio da população.
Antecedentes. Embora o Império Romano, fundado por Augusto, e as velhas monarquias absolutistas se assemelhem em certos aspectos às ditaduras modernas, a teoria política não considera aqueles regimes como ditaduras. Até a revolução francesa, os poderes dos reis derivavam diretamente de Deus e, ao contrário do que acontece nos regimes ditatoriais, sua autoridade era aceita universalmente.
Quando o monarca abusava do poder e oprimia violentamente a população, a situação passava a ser chamada tirania. Nesse caso a religião permitia a derrocada do tirano e, em conseqüência, o tiranicídio. O jesuíta espanhol Juan de Mariana estabeleceu, no final do século XVI, a doutrina clássica sobre a usurpação ou o abuso da autoridade, afirmando que, se depois de uma repreensão pública, o tirano não corrigisse sua conduta, era lícito declarar-lhe guerra e até, se necessário, matá-lo.
No mundo moderno, a figura do ditador aparece no século XIX em oposição a uma situação de normalidade democrática, que se supõe, teoricamente, como a forma natural de governo. O golpe de estado de Luís Napoleão em 1851, que instaurou o segundo império francês, foi a interrupção mais expressiva no estabelecimento dos regimes constitucionais ao longo do século XIX na Europa.
Ditadura do proletariado. Para caracterizar o exercício do poder pelas classes trabalhadoras durante um período intermediário entre a abolição do sistema capitalista e a instalação do comunismo Marx usou a expressão ditadura do proletariado. Nessa fase, o proletariado deveria suprimir a resistência burguesa à revolução socialista, destruir as relações sociais inerentes ao modo capitalista de produção e criar uma sociedade sem classes.
Ditaduras européias. Depois da primeira guerra mundial, iniciou-se um período de profunda instabilidade política e social e de ascensão das idéias autoritárias que viriam a golpear a democracia em diversos países. Foi o que aconteceu na Espanha, onde Miguel Primo de Rivera foi ditador de 1923 a 1930. Nessa época, Itália e Alemanha foram palco das duas ditaduras que maior relevo histórico alcançaram. A ascensão ao poder de Mussolini (1922) e de Hitler (1933) aboliu a democracia em seus respectivos países, dando início a uma política expansionista que provocaria a segunda guerra mundial.
Outra ditadura importante foi a de Stalin na União Soviética, que exaltou ao máximo o personalismo na política comunista. A vitória dos aliados sobre os países do Eixo não só reforçou o regime soviético como possibilitou o surgimento, na Europa oriental, de diversas ditaduras controladas por Moscou e baseadas nos mesmos pressupostos ideológicos. Entre os dirigentes dessas ditaduras destacou-se Josip Broz (Tito), na Iugoslávia, por sua personalidade e independência em relação à União Soviética.
Na Espanha, a ditadura imposta em 1939 pelo general Francisco Franco consolidou-se e vigorou até sua morte, em 1975, quando o país passou por uma transformação política e se democratizou. Em Portugal, Antônio de Oliveira Salazar instaurou na década de 1920 um sistema ditatorial que só terminou com o triunfo, em abril de 1974, da "revolução dos cravos", feita pelo próprio exército, que assim tornou possível a democratização do país.
Ditaduras latino-americanas. Apesar da poderosa influência que tiveram as idéias da revolução francesa, muitos países latino-americanos enfrentaram extensos períodos de anormalidade democrática. A história da América Latina, desde os primeiros anos do século XIX, é povoada de caudilhos que, a partir de províncias ou regiões periféricas, rebelaram-se contra os débeis governos centrais e tomaram o poder político de seus países.
Uma das características das ditaduras latino-americanas, relacionada ao caudilhismo, é o personalismo, que consiste na glorificação de um líder e na construção de um partido em torno dele e não de convicções políticas. Na primeira metade do século XIX, durante os movimentos de libertação nacional, condições políticas instáveis levaram ao surgimento de líderes desse tipo, de que são exemplos Antonio López de Santa Anna e José Antonio Páez, no México; Juan Manuel de Rosas, na Argentina; e Dr. Francia e Francisco Solano López, no Paraguai.
Embora algumas nações como a Argentina e o Chile tivessem adotado formas mais regulares de governo constitucional no final do século XIX, o caudilhismo se manteve até o século XX como uma característica comum dos estados latino-americanos e prevaleceu em alguns países como a Argentina, no regime de Juan Domingo Perón, e a Venezuela, com Juan Vicente Gómez.
Depois da segunda guerra mundial e durante o período de agressividade mais intensa da guerra fria, as ditaduras latino-americanas caracterizaram-se pelo componente ideológico e pela participação ativa dos segmentos militares nos governos. Em Cuba, sob o comando de Fidel Castro, um movimento revolucionário conquistou o poder em 1959 e adotou uma orientação socialista fortemente centralizada. Golpes militares de tendência direitista derrubaram os governos constitucionais do Chile, Argentina, Uruguai e Brasil, entre outros.
Outros continentes. São também numerosos os países dos continentes asiático e africano que viveram sob regimes não-democráticos. Na China, ao terminar a segunda guerra mundial, Mao Zedong tomou o poder depois de expulsar para a ilha de Formosa (Taiwan) o exército do general Chiang Kai-shek. Na história moderna da Ásia destacam-se, no Irã, a ditadura do Mohamed Reza xá Pahlevi, derrubado em 1979 por uma revolução fundamentalista muçulmana; na Indonésia, a do general Sukarno, seguida pela do general Suharto; e nas Filipinas, a de Ferdinand Marcos, obrigado a abandonar o país em 1986.
Na África, a transição do regime colonial para a independência culminou freqüentemente com a instauração no poder de regimes de partido único, controlados pelos movimentos que se haviam destacado na luta pela emancipação. Estes foram, por exemplo, os casos de Moçambique e Angola. Em outras ocasiões, a falta de tradição democrática, a definição artificial das fronteiras, resultando numa fraca coesão nacional, e a gravidade dos problemas econômicos e sociais do continente levaram a governos precários, freqüentemente vitimados por golpes militares.
Brasil. O primeiro regime ditatorial brasileiro, instaurado pela revolução de 1930, sob a chefia de Getúlio Vargas, pode ser dividido em dois períodos. No primeiro, que se prolongou até 1937, o regime Vargas admitiu formalidades democráticas e ampliou o direito de voto às mulheres. O segundo começou com um golpe institucional dado pelo próprio Vargas e se caracterizou pela adoção de comportamentos típicos da ditadura. Por diversos motivos, como o movimento pela democratização que entusiasmou os países vencedores da segunda guerra mundial, a ditadura Vargas caiu em 1945, quando foram convocadas eleições livres.
Seguiu-se uma fase de prática política democrática que se estendeu até 1964, apesar da ameaça de golpes militares para evitar a posse do presidente Juscelino Kubitschek em 1955 e do vice-presidente João Goulart em 1961. Condições internas e a pressão internacional anticomunista levaram ao golpe que derrubou Goulart e inaugurou uma série de cinco governos militares. Nesse período, que terminou oficialmente com a adoção da constituição de 1988, ficaram evidentes as características mais expressivas de uma ditadura -- repressão policialesca, estabelecimento de legislação autoritária e supressão dos direitos civis
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