Surgido em conseqüência da luta histórica da burguesia para superar os obstáculos que a ordem jurídica feudal opunha ao livre desenvolvimento da economia, o liberalismo tornou-se uma corrente doutrinária de importância capital na vida política, econômica e social dos estados modernos.
Liberalismo é uma doutrina política e econômica que, em suas formulações originais, postulava a limitação do poder estatal em benefício da liberdade individual. Fundamentado nas teorias racionalistas e empiristas do Iluminismo e na expansão econômica gerada pela industrialização, o liberalismo converteu-se, desde o final do século XVIII, na ideologia da burguesia em sua luta contra as estruturas que se opunham ao livre jogo das forças econômicas e à participação da sociedade na direção do estado.
Antecedentes. Na Idade Média feudal, a sociedade se compunha basicamente de três classes sociais: a nobreza proprietária da terra, os servos da gleba, a ela submetidos, e os artesãos urbanos organizados em corporações. As responsabilidades públicas se dividiam entre os nobres e a igreja. A partir do século XIII, no entanto, o desenvolvimento da atividade comercial das cidades e o aparecimento do capitalismo mercantilista representaram o início de uma transformação radical das sociedades européias.
A burguesia, concentrada nas cidades, foi a principal protagonista desse processo histórico. Apesar da importância econômica que conquistavam, os burgueses continuavam excluídos do poder político. Um movimento crítico da sociedade surgiu então, contrário à ordem feudal e aos estados centralizadores. Assim se gerou, num processo que durou séculos, um movimento filosófico, político e econômico que afirmou a liberdade total do indivíduo e propugnou a limitação radical dos poderes do estado. As características fundamentais desse movimento, além da restrição das atribuições do estado, foram a defesa da livre concorrência na área econômica e a definição dos direitos fundamentais do indivíduo, entre os quais a liberdade de idéias e de crenças e a sua livre expressão.
O movimento, que adquiriria sua mais acabada expressão no liberalismo, converteu-se na ideologia em que a burguesia se apoiou para assumir o controle do estado a partir das últimas décadas do século XVIII, e depois impregnou profundamente os princípios políticos das sociedades modernas.
Idéias liberais. As armas decisivas que a burguesia utilizou em sua luta intelectual contra a nobreza e a igreja foram o Iluminismo -- que opôs razão à tradição, e o direito natural aos privilégios de classe -- e as análises econômicas da escola clássica, cujos principais representantes foram os economistas Adam Smith e David Ricardo.
A célebre máxima da escola fisiocrata francesa do século XVIII "Laissez faire, laissez passer: le monde va de lui même" ("deixa fazer, deixa passar: o mundo anda por si mesmo") é a que melhor expressa a natureza da economia liberal. Efetivamente, a escola liberal acredita que a economia possui seus próprios mecanismos de auto-regulamentação, que atuam com eficácia sempre que o estado não dificulte seu funcionamento espontâneo.
Ainda antes que Smith, Ricardo e demais intelectuais da escola clássica estudassem a nova estrutura econômica da sociedade, iniciara-se a crítica política do absolutismo e dos remanescentes da velha sociedade feudal. Já no século XVII, o filósofo britânico Thomas Hobbes tentara fundamentar a legitimidade da monarquia na relação contratual dela com seus súditos. Foi depois o barão de Montesquieu quem, em De l'esprit des lois (1748; Sobre o espírito das leis), formulou o princípio da separação de poderes, dificuldade fundamental na gestação de novos estados democráticos. Coube a Jean-Jacques Rousseau a afirmação do princípio da soberania do povo, que continha os instrumentos teóricos para iniciar o assalto à monarquia absoluta.
Instauração política do liberalismo. Na Grã-Bretanha, graças a uma precoce aliança com a nobreza, a burguesia colheu os primeiros frutos de sua luta política. Durante o século XVIII, as cortes britânicas converteram-se paulatinamente num Parlamento moderno, logo proposto como modelo no continente. Essa liberalização foi, no entanto, limitada, uma vez que teve que esperar o século XIX para que o direito ao voto se estendesse à pequena burguesia, e as primeiras décadas do século XX para que se estabelecesse o sufrágio universal.
A instauração da nova ordem política foi desigual nos demais países europeus e americanos. Nos Estados Unidos, os direitos do homem foram proclamados em 1776. Na França, foi preciso esperar a revolução de 1789 para que se desse um passo semelhante e se proclamassem constituições populares em 1791 e 1793. Na Espanha, o estado liberal impôs-se nas primeiras décadas do século XIX. Os países americanos que fizeram parte de seu império colonial forjaram, ao contrário, sua independência sob a bandeira do liberalismo político e econômico. Na Alemanha, só em 1918 instituiu-se um Parlamento.
Estado liberal. Se o objetivo primeiro da burguesia foi o controle do poder legislativo, o fim último da idéia liberal foi a submissão do poder executivo aos representantes populares e, conseqüentemente, a eliminação do poder monárquico.
A tarefa do Parlamento devia ser o controle do executivo, para evitar, assim, as ingerências arbitrárias deste no âmbito privado e na vida econômica. Os representantes parlamentares eram, formalmente, porta-vozes populares que buscavam o bem comum, ainda que, na prática, procedessem da classe dos proprietários. A progressiva extensão do voto e a permeabilidade cada vez maior entre os diferentes setores sociais fez com que, pouco a pouco, aquela representatividade se tornasse efetiva.
De início, o sistema liberal não previa partidos políticos, entendidos como na atualidade, dadas as afinidades básicas que existiam entre os representantes parlamentares. Observou-se, a princípio, a necessidade de apresentar candidatos e de agrupar aqueles de maior proximidade ideológica, ao mesmo tempo que se instalava entre eles um forte componente de influências pessoais. A irrupção das massas operárias na política representou uma grande mudança daquela concepção inicial. O mesmo aconteceu com o apogeu da imprensa como órgão de expressão da opinião pública, fonte última de legitimidade nos sistemas liberais-democráticos.
Liberalismo e justiça. A desigualdade dos indivíduos segundo seu nascimento e camada social a que pertencessem era consubstancial ao ordenamento jurídico do velho regime feudal. A própria coerência do liberalismo exigia, no entanto, a igualdade de oportunidades entre os indivíduos e, conseqüentemente, a igualdade última de todos perante a lei, cujo império se afirmava também diante dos próprios poderes públicos.
A concretização jurídica do triunfo do liberalismo nos diversos estados expressou-se na promulgação de constituições, leis fundamentais que sancionaram a divisão de poderes, os direitos e obrigações dos indivíduos e os demais princípios da nova ordem social.
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