Entrevista com François Dosse
Aos 37 anos de idade um jovem historiador balançou os alicerces de um dos templos sagrados da historiografia francesa fundado há 80 anos, a École des Annales. O ano era 1987, o livro, A História em Migalhas, e o historiador, François Dosse, um dos conferencistas-chave do Panorama do Pensamento Francês Contemporâneo, escolhido a dedo para fechar o Ano da França no Brasil. O evento, resultado de uma parceria entre Globo Universidade, Casa do Saber e Zadig!, foi realizado no Rio de Janeiro, em novembro de 2009. Na ocasião, Dosse questionava a falta de foco político e o deslizamento dos “annalistas” para modismos, mentalidades, imaginários, escapando pela lateral dos fundamentos da Ciência Social e da interação com outras ciências, esmigalhando fatos sem fazer a ligação entre eles. Jacques Le Goff reagiu, segundo Dosse, “como vigia da fortaleza atacada”. Num artigo, Le Goff renegava o “esmigalhamento” de sua “matéria prima”, insinuando que o autor buscava os holofotes da mídia.
Aos 59 anos, Dosse não mudou uma linha de seu pensamento. A École des Annales, sim. Todos reviram suas posições e Dosse segue associado ao inovador Instituto de História do Tempo Presente (IHTP), atraindo não a mídia, mas ar fresco para a função do historiador que o erudito jesuíta Michel de Certeau (1925-1986) comparou à de “um coveiro”. Inovador em tudo, Dosse concedeu esta entrevista exclusiva ao site do Globo Universidade tratando das fronteiras entre História do passado, presente e futuro, da necessidade de testemunhas oculares para a veracidade dos fatos e da importância da memória na confecção da História. Trata também das biografias, tema de seu último livro traduzido para o português. E da omissão da história privada na construção de um personagem.
Seis de seus catorze livros foram publicados no Brasil, os cinco primeiros pela Edusc, O Império do Sentido: A Humanização das Ciências Humanas, A História em Migalhas: dos Annales à Nova História, A História (2003), História e Ciências Sociais (2004), História do Estruturalismo (2007), e, o último, pela Edusp, em 2009, O Desafio Biográfico: Escrever uma Vida.
Globo Universidade – É possível escrever uma História imediata se, como disse Primo Levi, é impossível analisar o presente pela absoluta falta de distanciamento dos fatos?
François Dosse – A importância de uma História imediata surgiu da interligação com o jornalismo, a partir da contribuição de Jean Lecoutre na Nova Enciclopédia da História em 1978. É escrever a História imediata fazendo referências ao passado, acrescentando uma dimensão histórica aos fatos cotidianos.
GU – Os jornalistas fazem história do cotidiano quando utilizam os mesmos instrumentos, fontes e testemunhos?
FD – Exatamente. Foi assim que nasceu o Instituto de História do Tempo Presente, com um Comitê de História criado para estudar a 2ª. Guerra Mundial. A ideia era recuperar arquivos, testemunhos e fatos ocorridos entre 1940 e 1945.
GU – Somente na França, para estudar Vichy e o colaboracionismo francês?
FD – No mundo inteiro, embora durante muito tempo o diretor do IHTP tenha sido Henry Rousso, especialista em Vichy.
GU – A História do presente terminava em 1944 ?
FD – Depois se estendeu para Maio de 68, o desaparecimento das figuras coloniais e outros episódios. Virou um laboratório importante pelo desafio epistemológico de estudar a história presente relacionada ao passado. Esse desafio dura 30 anos.
GU – Com esses instrumentos os historiadores julgam os fatos?
FD – Para isso é preciso focar presente e passado. Pela indeterminação e pela quantidade de dados que se tem nas mãos o que sobra são hipóteses, nunca a certeza do que iria se passar. Só que esse handicap torna-se uma chave importante, que nos permitiu uma releitura da Idade Média buscando na sociedade do passado a indeterminação do que era o presente para ela.
GU – E o que muda?
FD – A maneira como se escreve a História. Causalidade não funciona em História, não se deve procurar as razões dos fatos, mas testemunhos orais. Se você está escrevendo sobre Idade Média não há como ter testemunhas, pode procurar rastros, intuir coisas. Mas o historiador de tempo presente faz enquetes, escreve sobre o olhar dos personagens vivos. História do presente é cruzamento e articulação entre História e memória.
GU – Essa é a principal diferença entre jornalista e historiador?
FD – Se o jornalista é historiador como Lecoutre, que fez uma biografia de De Gaulle de mais 2.000 páginas em três volumes, então não há diferença.
GU – O jornalista escreve hoje sobre algo que aconteceu ontem para ser lido amanhã. Presente já é passado. O tempo não existe? A História imediata será alterada ao se tornar passado? Há diferença entre o conceito de antigo e moderno na História?
FD – Essa questão convida os historiadores a serem modestos, relativizar a História. As gerações futuras trarão novas perguntas, outros dados vão interferir porque os fatos não são estáticos. Haverá um deslocamento no olhar para o futuro da História que se escreve no presente sobre o passado. O que requer
trabalho permanente, volta periódica aos fatos, e respeito a uma palavra inscrita na memória: “incansável”, que abriga ao mesmo tempo os limites e a grandeza do historiador.
GU – A História do presente é bem contemporânea de uma geração que não aceita a passagem do tempo, consome inclusive fatos de forma imediata. Mas quais as fronteiras cronológicas? A Guerra do Vietnã ou Maio de 68 são “presente” mesmo se resultem de um passado prolongado?
FD – Os limites não são tão claros. A História do tempo presente existe enquanto houver testemunhas vivas. O limite pode ser um acontecimento traumático, uma tragédia. O IHTP nasceu de um comitê de estudo da 2ª. Guerra. Mas a definição que prefiro é a que não se fixa nas barreiras cronológicas.
GU – Então, onde?
FD – Num fato que envolve um passado mais longínquo, mas surge reciclado no presente.
GU – Exemplo?
FD – Joana D’Arc. Tudo bem que seja uma figura da Idade Média, mas hoje podemos ler e reler Joana D’Arc porque ela participa do tempo presente por correntes e ideários políticos ou religiosos, ela existe na sociedade contemporânea como personagem e ícone, representada no cinema, no teatro, na pintura. Existe na consciência coletiva das pessoas. Não é metamorfose. É a ligação da memória viva com a memória morta, que revisita e trabalha a memória coletiva, campo de investigação do historiador do tempo presente.
GU – A História vista através do marxismo é presente ou passado? Porque Cuba, Coréia do Norte e China estão vivas hoje.
FD – Depende do que você entende por marxismo. Se entender comunismo, então, é mais do que parte do passado.
GU – Sim, se falamos da antiga URSS e da Cortina de Ferro...
FD – Não só. Uma sociedade totalitária não pode tornar a existir naqueles termos depois da queda simbólica do muro e da dissolução do bloco comunista. Não há amanhã. É gente de ontem, que trabalha o passado. A obra de Marx é outra coisa.
GU – A obra de Marx continua viva no presente?
FD – Há coisas a se aprender de Marx, não a filosofia da História ou ideologia, isso acabou. Mas no plano da análise crítica da sociedade e da economia.
GU – O marxismo morreu, Marx continua vivo?
FD – Eu diria de forma humorística, como Jacques Derida intitulou seu livro Spectres de Marx, que Marx continua vivo, mas como espectro.
GU – Como um fantasma?
FD – Isso mesmo (risos).
GU – Por falar em espectros, para que a História não seja um túmulo, metáfora do historiador como coveiro segundo Michel de Certeau, não seria fundamental a intervenção do intelectual na sociedade?
FD – Mas Certeau tinha razão. Por que falamos de tumbas? Porque os fantasmas não estão no nosso cotidiano e o passado é um fardo para as pessoas. Então é preciso honrar o passado, uma pessoa que enterra os ancestrais celebra seus mortos, reconhece sua dívida. Você passa à História com um crédito, o futuro virá mais livre e sem aquele peso nos ombros. O futuro será mais criativo porque esse é o trabalho do historiador, dar um passo à frente entre o passado e o futuro, avançar uma etapa.
GU – Você tira a perspectiva mórbida de Certeau.
FD – Ao contrário, ele falava em recriar futuro e vida.
GU – E quanto ao engajamento do intelectual? Em períodos como a recente ditadura brasileira de 21 anos, ou a França ocupada, não é obrigatório o engajamento de intelectuais?
FD – Essa é outra função importante do intelectual. Mas é preciso diferenciar. Uma a coisa é o engajamento radical contra um Estado ditatorial. As coisas são mais complicadas quando se vive numa sociedade aberta, democrática, sem oposição do bem e do mal. Cada questão precisa ser analisada por experts, um trabalho da razão prática. A escolha é mais difícil.
GU – Por quê?
FD – Porque não é entre o branco e o preto, mas entre o cinza e o cinza.
GU – Trata-se de distinguir camaleões, tonalidades...
FD – ... camafeus, de uma só cor. Por isso é um trabalho importante. Numa democracia deve-se dialogar, comparar pontos de vista diferentes, as pessoas escolhem a partir de argumentações fundamentadas. Tudo pode mudar. Mas há intelectuais em crise.
GU – Por exemplo?
FD – Jean-Paul Sartre nos anos 1950, 1960, a figura do intelectual “dreyfusard” na sua postura de revolta. Você contrapõe esse com outra figura que é aquela qualificada por Michel Foucault, o intelectual específico, que se recusa a falar de tudo e se restringe ao seu campo de competência.
GU – Para esclarecer o cidadão?
FD – Como fez o filósofo e pensador Paul Ricoeur participando de debates públicos sobre linguística, psicanálise, estruturalismo, um mestre em clarificar conceitos.
GU – E em reavivar a memória.
FD – Claro, a memória da História esquecida. Pensar junto, articular, fazer uma fenomenologia da memória, a epistemologia da História. Junto com isso a ética, a bioética, o lugar no nacional no universal. A grande obra de Ricoeur é justamente La Mémoire, l’histoire, l’oublie (publicada cinco anos antes de sua morte, em 2005).
GU – Esse papel às vezes é menos visível.
FD – Porque nesse caso o intelectual é mais modesto, faz trabalho de fundo, não se coloca como aquele que sabe tudo.
GU – O historiador François Hartog diz que a História é construída no cotidiano e feita por nós, agentes e ao mesmo tempo personagens da trama contemporânea. Só que não nos damos conta do nosso papel.
FD – Hartog é a favor de uma virada geral no regime de historicidade. Passar de um sistema fincado na tradição para uma projeção no futuro. Começa-se a pensar nisso no século XVII, atravessa-se o XIX e, no XX, dá-se a quebra desse sistema histórico, talvez pelo trágico desse século, não se pode falar em evolução continuada quando se vive duas guerras e a barbárie no coração dos países mais civilizados.
GU – Campos de concentração, fornos crematórios...
FD – Adorno dizia que não podemos pensar da mesma maneira depois de Auschwitz. O trágico século XX rompeu um otimismo histórico que dominou todo o XIX, começo do XX.
GU – Mas houve outras rupturas.
FD – O texto de Lévi-Strauss para a Unesco em 1952, Raça e História, mostrou que não há evolução continuada nem civilizações mais avançadas do que outras. Há, sim, uma partitura disponível para a humanidade. Algumas vão fazer a sinfonia em dó maior, outras em si bemol menor. Ele mostra que os melanesianos das ilhas ao norte da Austrália desenvolveram um sistema parental e uma criação artística muito sofisticada.
GU – Mais que os ocidentais?
FD – Os ocidentais ficaram com a tecnologia. Cada sociedade desenvolveu a sua potencialidade, sem hierarquias ou sociedades civilizadas.
GU – Nem selvagens.
FD – Se há selvagens, eles têm um sistema de pensamento que não é melhor nem pior, é “outro”. Então, se é que havia uma “religião da história”, ela começou a ser derrubada por Lévi-Strauss e pelos estruturalistas nos anos 1950. O estruturalismo ficou tão famoso que, uma década depois, o técnico de uma equipe francesa de futebol em crise disse que reorganizaria a equipe de maneira “estruturalista”... (risos).
GU – Hartog levantou outra questão. Os fatos históricos são estudados corretamente, os mecanismos de triagem são os mais adequados? O que sabemos nós, vivos e mortos, uns dos outros? E, afinal, para que serve a História? Há uma ou muitas Histórias integradas em temporalidades diferentes, espirituais, ideológicas, como a História do ponto de vista marxista, ou religioso?
FD – O modelo de identificação da História pelo particular é ultrapassado. Estamos fazendo uma História “de segundo grau” como a cunhou (o historiador) Pierre Nora, mais reflexiva, que se interroga sobre conceitos e questões do tempo, da verdade. Não dá para fazer História baseado em causas. Hoje os historiadores colocam a própria História em questão: “Para que vai servir?”, “as fontes são autênticas?”.
GU – Mas um historiador também pode se enganar.
FD – Porque mesmo fazendo trabalho de formiguinha, o historiador não fez tudo, não é só a factualidade que conta, mas o senso simbólico. E o falso pode se tornar verdadeiro quando há um efeito social. Nora deu um bom exemplo em Les Lieux de Mémoire que dirigiu na Gallimard em três volumes (A República, A Nação, A França, de 84 a 92) quando fala do soldado Chauvain, extremamente popular nos séculos XIX e XX a ponto de introduzir um qualificativo na língua francesa.
GU – O termo “chauvinisme” vem daí?
FD – Vem, de um soldado do século XIX que tem sua história contada, da vida pública à pessoal, com endereço de moradia e tudo... Só que um doutorando resolveu pesquisar e descobriu que esse soldado nunca existiu.
GU – Foi uma criação?
FD – Fantasmagórica, e está aí um exemplo de algo falso que se tornou verdadeiro, utilizado como exemplo por historiadores para descrever combatentes de várias guerras, “era como o soldado Chauvain...”.
GU – Há criações propositais em romances históricos, como os de Marguerite Yourcenar, Barbara Tuchman...
FD – Há muito a aprender na ficção. A História cortou o cordão umbilical com a literatura e se profissionalizou no fim do século XIX, quando virou disciplina universitária. Antes, os historiadores eram estudantes de Letras, por isso viram as costas à literatura.
GU – No seu caso...
FD – No meu caso a literatura faz enorme sentido, mas os historiadores gostam de dizer que se livraram do micróbio literário, o que não é verdade, principalmente entre os românticos. A fonte em que bebiam era Walter Scott (escocês, 1771-1832, criador do verdadeiro romance histórico).
GU – A literatura tem uma liberdade que a História não tem.
FD – E ensina muita coisa, é quase uma ressurreição do passado. O livro que ganhou o prêmio Goncourt no ano passado, Les Bienveillantes de Jonathan Littell.
GU – O senhor não se arrepia com História romanceada? Lê Asterix com prazer, por exemplo?
FD – Mas claro!
GU – O senhor se arrepia com a informática que vai dar sumiço nas correspondências de papel e substituiu o tempo real pelo virtual?
FD – Será que os arquivos vão desaparecer?
GU – Aí será fácil romancear a História...
FD – Não vai acontecer, está tudo estocado no hard disc.
GU – Romancear é uma tentação. O senhor acaba de lançar no Brasil O Desafio Biográfico. É possível escrever a vida de um personagem vivo sem falsificar fatos e sem esconder o “podre”, a vida privada?
FD – Concordo que não se pode separar um personagem de seus afetos, a vida pública da privada, um personagem é uma totalidade. Mas há artifícios. As que escrevo chamo de biografias intelectuais. Cortar a vida pessoal é um artifício. Escrevi sobre Ricoeur, Certaud, Deleuse e Guattari, Pierre Nora. O que me atrai são os contemporâneos.
GU – O que traz o dilema: se permitem vasculhar a vida pessoal.
FD – Então procuro a singularidade dos gestos, a relação com o mundo, a maneira de ser. Enfoco a questão psicológica, psicanalítica. Embora uma biografia não possa ter a ambição de colocar qualquer um no divã, procuro o fato marcante, traumatizante, o itinerário.
GU – Mas continua faltando o lado íntimo.
FD – Claro, é limitante, um terreno que me escapa. Por exemplo, Nora é um historiador importante, responsável pela Gallimard. Diretor de uma das revistas de ponta, Le Débat, mas há domínios onde não posso entrar, talvez os mais interessantes...
GU – A vida amorosa...
FD – Justamente, a vida amorosa, e você teria surpresas... (risos). Mas Nora é uma referência entre os historiadores franceses.
GU – A vida amorosa dele vai entrar?
FD – Não, ele não me deu permissão.
GU – Você pode fazer a pesquisa...
FD – Mas é difícil. Esse é o problema de biografar contemporâneos.
GU – Então só temos a verdade completa dos mortos, porque a vida amorosa influencia bastante.
FD – Essa inserção é mais comum entre os anglo-saxões, os franceses separam a vida pública da íntima.
GU – Quando a coisa vem à tona é como aconteceu com François Mitterrand?
FD – Mas o fato de ter uma filha fora do casamento não muda o personagem político.
GU – E com Sarkozy?
FD – A vida pública dele é muito anglo-saxã.
GU – Sarkozy sem Carla Bruni é outra pessoa?
FD – Eu diria metade de uma pessoa (risos).
GU – Os historiadores dizem que biografia não é História; os escritores, que biografia não é literatura; e então, esmagada, a biografia acaba sendo feita por jornalistas...
FD – Biografia é um gênero desprezado por todo mundo. Chamo de eclipse da biografia. Até pouco tempo eu me apresentava assim, “não diga a minha mãe que eu escrevo biografia, ela acha que eu sou pianista num bordel”... (risos). O bordel tinha mais cachê do que esse gênero impuro.
GU – Porque trabalha entre o autêntico e a imaginação?
FD – Plutarco (maior biógrafo da Antiguidade Clássica, viveu entre os anos 50 e 120) escrevia para dizer que os gregos eram melhores do que os romanos e vice-versa. Para ver melhor a psicologia de cada um e ressaltar vícios e virtudes. No final, valia sempre a virtude. Ele dizia que escrevia livremente, por exemplo, sobre Cesar, se faltavam elementos factuais, pouco importava. Quando escreve sobre a Guerra do Peloponeso (século V a.C.) diz: “Não escrevo apenas o que eu vi, mas o que me disseram e esses fatos controlei eu”. Quem lia Plutarco sabia que era assim.
GU – Hoje não se faz uma biografia assim.
FD – Nesse livro que saiu no Brasil eu falo no pacto biográfico, o pacto com o leitor que não existe nas autobiografias. Nunca temos todas as fontes nem há uma transparência total.
GU – Então passa pela imaginação.
FD – Pela subjetividade, a projeção do biografado, sua interação com o outro. O que não avaliza a biografia, por que o que faz o historiador?
GU – Faz isso também.
FD – É claro, se ele é um historiador da Idade Média. Como diz George Duby, (especialista em Idade Média, 1919-1996) ele tem necessidade da imaginação, de se transportar. Hoje até que a biografia está indo bem, vive um boom, historiadores que se colocavam acima do bem e do mal, “sou sério, atenção”, dão as mãos e os pés aos editores para escrever uma biografia, o gênero saiu do purgatório para a glória (risos). Os que profetizaram a morte da biografia passaram anos, como Jacques Le Goff, 15 anos, escrevendo a vida de Saint Louis (rei Luis IX).
GU – Hoje se escreve a vida de todo mundo.
FD – Até sem pesquisar dossiês, nem arquivos, nem traços, como um fabricante de tamancos do século XIX de quem Alain Corbin fez uma biografia detalhada, sobre a família e a vida pessoal, sem saber de nada e sem ler nada porque sabia que lhe fariam injustiça.
GU – Hoje se escrevem muitas “biografias definitivas”.
FD – Não existem. É uma ilusão. Há biografias possíveis, que desmitificam, como a de Saint Louis, mas não definitivas.
GU – E há os biógrafos profissionais.
FD – Mitterrand tem biografias fei
tas por todo mundo, às vezes enriquece, às vezes é o descrédito total. Há mercenários em todas as áreas, por que não na biografia?
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